Por Frei
Betto
Os recentes suicídios da estilista Kate Spade e do chef Anthony Bourdain,
somados ao de alunos de colégios de classe alta em São Paulo, exigem reflexão.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde, dados de 2015) o suicídio mata
mais jovens entre 15 e 29 anos que o HIV. Fica atrás apenas dos acidentes de
trânsito.
Nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão do governo,
admite aumento de 30% nos suicídios desde 1999, a maioria por armas de fogo. No
Brasil, o índice é de 6,9 casos por cada 100 mil habitantes.
São muitas as causas: perda de entes queridos (por morte ou separação),
problemas financeiros ou legais, abuso de substâncias químicas (drogas,
bebidas, medicamentos), declínio da saúde física ou mental etc. Entre os
jovens, perda da autoestima.
Nossas famílias e escolas tratam o tema como tabu. Calam-se sobre o que precisa
ser debatido: sexo, falta de afeto, dor, separação, fracasso e morte.
Nessa sociedade neoliberal que enfatiza como valores supremos riqueza, poder,
fama e beleza, é indispensável a educação fomentar a consciência crítica
perante tal proposta consumista/hedonista e instruir os jovens a lidar com
perdas e conflitos emocionais. E se as coisas derem errado em suas vidas, o que
fazer?
O suicida é um ator que entra em cena quando cai a cortina do palco. Ele nos
interpela. Joga sobre nós o peso da culpa. Por que não fomos capazes de
salvá-lo? Deixamos de amá-lo o suficiente? Há várias formas de suicídio e a
pior nem sempre é a que faz cessar a vida como fenômeno biológico.
A Bíblia menciona raros casos de suicídios, como Abimelec (Juízes 9,54),
Saul (1 Samuel 31, 4), Zimri (1 Reis 16,18) e
Judas (Mateus 27,5). A Igreja primitiva silenciou diante do fato,
embora eminentes teólogos, como Eusébio de Cesareia, João Crisóstomo, Ambrósio
e Agostinho, tenham aconselhado encará-lo com misericórdia.
No século VI, a Igreja passou a negar funerais religiosos aos suicidas. Pouco
mais de um século depois, eles foram excomungados. Isso mudou com o novo
Catecismo, aprovado pelo papa João Paulo II, em 1983. Embora cometam um
atentado ao maior dom de Deus, a vida, deve-se acolher com misericórdia os
suicidas induzidos por “distúrbios psíquicos graves, angústia ou o medo grave
da provação, do sofrimento ou da tortura”, fatores que lhes diminuem a
responsabilidade. E acrescenta: “Não se deve desesperar da salvação eterna das
pessoas que se mataram. Deus pode, por muitos caminhos que só Ele conhece,
dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que
atentaram contra a própria vida” (2283 – Catecismo da Igreja Católica).
Meu confrade frei Tito de Alencar Lima foi levado ao suicídio, aos 28
anos, devido às torturas sofridas sob a ditadura militar, conforme retrato
em Batismo de sangue (Rocco), obra levada ao cinema por
Helvécio Ratton.
Por ocasião do retorno de suas cinzas ao Brasil, em solene celebração na
catedral da Sé, em São Paulo, o cardeal Paulo Evaristo Arns afirmou na homilia:
“Frei Tito não se matou. Buscou do outro lado da vida a unidade perdida deste
lado.”
Frei Betto
é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar
brasileira” (Rocco), entre outros livros.
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