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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Este Natal



Por Maria Clara Bingemer


                Neste Natal de 2013 tenho vontade de deixar emergir minha pertença ancestral judia e perguntar ao pai de família: “Pai, por que esta noite é diferente de todas as outras?” E ouvir a resposta da Sinagoga quando, celebrando a Páscoa (Pessach, passage), recorda a libertação do cativeiro do Egito.  E também a da Igreja, recordando o nascimento d´Aquele de quem os cristãos do mundo inteiro celebram o nascimento.
 
            Neste Natal, os sentimentos serão diferentes.  E por muitas razões.  Começamos o ano fazendo uma viagem sonhada e desejada há muito tempo.  Fomos à Terra Santa com um grupo inesquecível, guiados pelo amigo e irmão Luiz Paulo Horta e pelo irmão e companheiro de Jesus, Pe. Paul Schweitzer.  Viagem inesquecível, que faz com que de agora em diante nenhum Natal seja o mesmo, pois eu estive e pisei no solo de Nazaré, onde Maria recebeu a Anunciação do Anjo Gabriel. Estive em Belém e senti a presença do nascimento do Menino Yeoschua no estábulo da hospedaria. Andei e pisei na mesma terra que Ele, há mais de dois mil anos, pisou com seus pés que caminhavam sem parar, pregando a boa notícia do reino de Deus.

            A contemplação natalina este ano tem composição de lugar e cenário.  E por isso torna-se mais real.  E por isso faz aflorar e emergir a realidade com seu encanto tão doce como o Menino e, ao mesmo tempo, tão conflitivo como a humanidade que Ele escolheu assumir com sua Encarnação e Nascimento. Talvez por isso Natal seja uma festa em que as famílias se encontram e a convivência nem sempre é pacífica e harmônica.

            O amor e a solidariedade que o Menino veio trazer não eliminam as diferenças, antes as expõem.  Com a luz e a crueza da Verdade, onde não há lugar para a mentira e o engano. Por isso, para muitos o Natal é uma festa em que a dor não está ausente.  A dor da solidão, a dor do abandono, a dor do desengano, da decepção, das perdas.  E também a dor da exclusão, da injustiça, da opressão.  As dores messiânicas pelas quais Jesus passou em sua vida são também experimentadas por nós em meio à suave alegria que o nascimento de uma criança sempre desperta e que os símbolos natalinos desejam reeditar e remarcar nesta festa. 

            Neste Natal estaremos celebrando em nossa família a grande alegria da presença de um novo membro, a nenenzinha Maria Victoria. Mas uma sombra vai pairar sobre nós com a ausência de Lucas, o netinho francês que permaneceu na França, consolando a avó de sua recente viuvez e o pai de um ano muito difícil.  Nós teremos entre nós a mãe de Lucas, que também celebrará conosco a esperança de que o próximo ano seja melhor do que o que vamos deixando para trás.  E veremos no Natal esta esperança concretizada na presença do Menino, uma vida que se inicia e promete luz e liberdade.

            Em nosso coração estará também o peso do vazio da dor da perda do irmão Luiz Paulo que, após a viagem inesquecível à Terra Santa, partiu, sem avisar, para o encontro definitivo com Deus.  De lá,  estará celebrando conosco, mas a falta que faz é grande demais para não doer, pelo menos neste primeiro Natal sem ele.

            A chegada do Messias que o povo de Israel vive como esperança e a Igreja como esperança realizada em Jesus Cristo é plenitude atravessada por provisoriedade.  É Transcendência atravessada por contingência. É Infinito atravessado por finitude.  É alegria não isenta de conflitos e tristezas. 

            Bem diz Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios Espirituais, ao propor a contemplação da Natividade: “ Ver as pessoas... ver nossa Senhora e José... e o Menino Jesus... advertir e contemplar o que falam... observar e considerar o que fazem, como é caminhar e trabalhar, para que o Senhor venha a nascer em suma pobreza e, ao cabo de tantos trabalhos de fome, de sede, de calor e de frio, de injúrias e afrontas, para morrer na cruz; e tudo isto por mim...” <114-116>

            Pouco ou nada têm em comum com o espírito do Natal o frenesi consumista e a euforia regada a álcool e comilança desmedida que se apossam de tantos durante estas festas.  Escasso paralelismo têm a sobriedade da hospedaria e do estábulo do nascimento com as mesas cheias de comida e os pinheiros cercados por infinidade de presentes.

            Neste Natal, peço a graça de compreender interiormente que a alegria é diferente da euforia e  a justiça é seu componente essencial e constitutivo.  Peço o dom divino de aceitar as diferenças dos outros e acolhê-las em minha identidade.  E não temer nem hesitar frente aos conflitos que compõem inelutavelmente a construção do Reino de Deus. 
FELIZ NATAL!


Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,  teóloga, é autora de “Ser cristão hoje" (Editora Ave Maria).
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