Por MARCELO BARROS
A cada ano, a
ONU consagra o 23 de agosto como o dia da lembrança do tráfico de escravos e de
sua abolição. Infelizmente esse tema não serve apenas para lembrar o passado,
mas nos mostra que o tráfico de pessoas persiste ainda hoje, de algum modo, em
todos os continentes. Existe o tráfico na forma de sequestro de crianças em
aldeias longínquas de alguns países africanos para serem vendidas nas
fronteiras, como escravos domésticos ou soldados
infantis, destinados a missões suicidas. Além disso, há o tráfico de mulheres
em redes de prostituição, atuantes até em países da Europa. E no mundo inteiro,
continua legalizado e sem problemas o tráfico econômico que obriga pessoas a
sobreviver vendendo sua força de trabalho em condições desumanas, na maioria
das vezes, como migrantes.
Em 2000, a ONU
propôs as oito metas do milênio para reduzir a pobreza e superar a miséria.
Atualmente, quase quinze anos depois, de acordo com um recente relatório da
ONU, só na América Latina, os países fizeram alguma coisa nesse sentido. De
todos os continentes, só a América Latina avançou na questão do direito de
todos os seres vivos à água potável, na ampliação dos serviços sanitários, no
acesso universal à educação e em programas de segurança alimentar para todos. Nos
anos 90, nos países latino-americanos, a pobreza chegava a 48, 4%. Agora, em
nossos países, os pobres chegam a 30%. De todo modo, o atraso era tanto que,
mesmo com esses avanços, o caminho à frente ainda é longo e principalmente
espinhoso. Os desafios são imensos. A ONU reconhece que os países que mais
cresceram em justiça social, na vitória contra o analfabetismo e a fome foram
os que têm governos populares e fizeram novas constituições, no caso,
Venezuela, Equador e Bolívia. No mês passado, a FAO, organismo da ONU para a
agricultura e alimentação, deu um prêmio ao governo venezuelano por ter
erradicado a fome e a miséria em todo o território do seu país. Os refeitórios
populares e as comunas, espalhados por todos os estados do território
venezuelano, são conquistas que fazem inveja a todo país sedento de justiça e
igualdade. A ONU foi obrigada a declarar que, em toda a América Latina, a
Venezuela bolivariana é o país que mais conseguiu reduzir as desigualdades
sociais, venceu o analfabetismo (taxa zero) e tem o maior programa de vivendas
populares acessíveis a todos.
O governo
brasileiro vive a contradição de se apresentar como, ao menos, historicamente ligado
aos movimentos populares e, entretanto, cada vez mais, desenvolver uma política
que beneficia a elite de sempre. Defende
o direito dos índios à terra, mas, ao mesmo tempo, as invade para projetos
megalomaníacos e antiecológicos como a hidroelétrica do Belo Monte, além de
apoiar todos os projetos de agronegócio para a exportação.
O modelo
excludente e supérfluo da sociedade de consumo descartável não domina somente a
elite, mas mesmo os pobres que melhoram de vida e se tornam ávidos
consumidores. Povos indígenas propõem o paradigma do bem viver e do conviver
dignamente, em uma vida de qualidade, sustentável e justa. É a proposta do
evangelho de Jesus que disse: “A vida vale mais do que o alimento e a pessoa de
vocês mais do que a roupa que vestem. Por que se preocupar com essas coisas? O
Pai do céu sabe de tudo o que vocês precisam. Procurem acima de tudo o reino
dos céus (a realização do projeto divino no mundo) e tudo o mais lhes será dado
por acréscimo” (Mt 6, 25- 30).
Marcelo
Barros , monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 44 livros publicados.
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