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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Para que este Natal seja novo

 


Marcelo Barros

 

Mesmo se temos muitos motivos de preocupação e estamos encerrando um ano que, em matéria de sofrimentos, não nos poupou, é bom vermos nesta celebração do Natal um apelo à esperança e à renovação da vida. Desde suas origens anteriores ao Cristianismo, por festejar o ciclo solar, o Natal é celebração da luz que vence as trevas, do calor que vence o frio e a morte.

Em um dos evangelhos lidos nas comunidades para preparar o Natal, o profeta João Batista anuncia Jesus como aquele que vem nos mergulhar na ventania do Espírito e no fogo. E fazer com que dentro de nós e no mundo reacendamos o fogo da justiça amorosa, da solidariedade e do cuidado uns com os outros e com a mãe Terra e a natureza.

Neste momento, infelizmente, há muitas pessoas que congelaram o seu coração e parecem não reagir mais às injustiças estruturais do mundo e à desumanidade que nos rodeia. A celebração do Natal não é apenas a simples memória de um aniversário. Deve convocar todas as pessoas humanas, cristãs ou não, religiosas ou não a um renascer da vida que seja um verdadeiro renascer. Aliás, o que significaria nascer, se não fosse para estar abertos a um constante renascer?

Em cada idade física, o ser humano larga uma idade e renasce para outra. Maria Zambrando, filósofa espanhola, ensinava que, como todo animal, o ser humano é mortal. No entanto, o que o caracteriza não é ser mortal e sim ser natal, isso é, chamado a uma permanente renovação do ser e da vida. O poeta Pablo Neruda afirmava: “Nascemos como esboço. É preciso sempre renascer. Nascemos para renascer”. Podemos dizer que renascemos cada vez que realizamos os passos que a vida exige e nos abrimos para uma nova etapa.

O sentido mais profundo da celebração do Natal é abrir nossos corações e nossas vidas para essa perspectiva de uma vida nova, tanto no plano pessoal como de nossas relações e atividades sociais e até políticas. Viver o espírito do Natal é não apenas recordar Belém e o presépio no qual Jesus recém-nascido está rodeado de seus pais e é visitado pelos pobres pastores do campo. Esses relatos do evangelho já foram escritos na perspectiva de nos ajudar a ver no menino que nasce em Belém o Senhor Ressuscitado que, pelo seu Espírito, nos chama a sempre renascer.

Conforme o quarto evangelho, em uma conversa noturna com Nicodemos, um mestre do Judaísmo, Jesus explica: “O que nasce conforme o mundo (ou no modo de falar hebraico: o que nasce da carne) é carne, ou seja, pertence a esse modo de ser do mundo. O que nasce do Espírito, é espírito. Por isso, é preciso nascer do Espírito” (Jo 3, 7).

É preciso compreendermos que esse processo de renovação interior tem suas raízes no mais profundo de cada pessoa mas toma corpo em um modo de viver comunitário. Isso significa assumir a realidade em que vivemos e retomar nossas relações com as pessoas, em um caminho comunitário e de serviço à paz, justiça eco-social e cuidado com a mãe Terra e toda a natureza.

Para que esse renascimento da vida seja possível, é preciso denunciar e combater a política que serve à morte e ao desamor. Dom Oscar Romero, mártir da caminhada libertadora, insistia que a verdadeira espiritualidade consiste em acentuar a dignidade da Política e fazer com que ela se coloque a serviço dos mais pobres e possa ser transformadora.

Neste 2021 e no contexto social e político que vivemos no Brasil, é bom recordar o que os bispos latino-americanos afirmaram no documento de conclusão da 2ª Conferência do episcopado latino-americano em Medellín (1968): "Queremos construir uma Igreja libertadora de toda a humanidade e libertadora de cada ser humano por inteiro, em todas as suas dimensões" (Med. 5, 15).

Se cremos que, no Natal, Jesus assumiu a condição humana com todas as suas fragilidades e problemas, cada celebração do Natal nos convida a sermos pessoas cada vez mais capazes de amar, sempre mais disponíveis ao diálogo e, em tudo, humanas, como Jesus.

 

Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.br  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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