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sábado, 11 de dezembro de 2021

Um grande poeta

  


Prof. Martinho Condini

 

Há 73 anos, em 10 de dezembro de 1948 era publicada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas. E o que ouvimos do governo brasileiro sobre  essa data, nada, nenhuma palavra se quer (se falou, não ouvi). Isso só vem a confirmar o que já sabemos há três anos e se intensificou com a pandemia. Vivemos sobre as rédeas de um desgoverno: desqualificado, desorientado e desumano. Não quero ficar repetindo o que já estamos cansados de saber e dizer sobre este desgoverno, que em tão pouco tempo conseguiu destruir tudo o que havia de bom e que estava sendo construído com tanta luta e trabalho do nosso povo guerreiro, valente, corajoso, resistente e lutador.

Em homenagem a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a todas as brasileiras e brasileiros que lutaram e os que ainda lutam pelo respeito aos direitos humanos, apresento para àqueles que não conhecem o grande poeta amazonense Thiago de Mello, hoje com 96 anos. Um dos poetas mais influentes e respeitados no país, uma lenda da literatura regional. Suas obras foram traduzidas para mais de trinta idiomas. Durante a Ditadura Militar foi preso e exilou-se no Chile, onde se tornou amigo de Pablo Neruda. Foi reconhecido como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos, e manifestou em sua poesia o seu repúdio ao autoritarismo e à repressão.

Em tempos tão obscuros onde em nosso país o negacionismo e a mediocridade se estabeleceram como valores éticos e morais, se deliciar com Thiago de Mello nos lava a alma e nos alimenta de um esperançar que é possível ser feliz de novo. Caras companheiras e companheiros desfrutem e curtam essa bela poesia.

 

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobre tudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com

 

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