por Frei Betto
Em 13 de janeiro deste ano, já prevista
minha ida à Itália em abril, para uma série de conferências pastorais, escrevi
ao papa Francisco solicitando um contato.
Encaminhei a mesma carta por quatro vias
diferentes. Talvez todas tenham ajudado, mas sei que deu resultado a remetida
via meu amigo Antonio Vermigli, um dos coordenadores da Rete Radié Resch, ONG
operária italiana solidária com movimentos sociais em países da periferia do
mundo.
O encontro se deu por intervenção de
Raffaele Luise, vaticanista da TV italiana, na audiência pública da manhã de
quarta, 9 de abril, à porta da Basílica de São Pedro, na área reservada às
autoridades e convidados especiais. Após percorrer, a bordo do papamóvel, a
multidão que lotava a praça de São Pedro, Francisco veio na direção em que eu
me encontrava
Falei-lhe da carta que remeteu, em
janeiro deste ano, ao 13º encontro das Comunidades Eclesiais de Base, em
Juazeiro do Norte (CE), na qual se refere às CEBs como “movimento” na Igreja.
Tudo indica que a carta, assinada por Francisco, foi redigida no Brasil,
contrariando a visão de Igreja das CEBs:
― Santo Padre – disse eu – as Comunidades
Eclesiais de Base estão muito agradecidas pela carta que o senhor enviou em
janeiro. Elas não querem ser consideradas um movimento na Igreja, e sim o
próprio modo de a Igreja ser na base popular e da base popular ser na Igreja.
Segurando a minha mão, Francisco sorriu,
e prossegui:
― Como pai amoroso, dialogue sempre com a
Teologia da Libertação, que é uma filha fiel à Igreja. E tenha sempre presente
a defesa dos povos indígenas.
Assediado por tanta gente que o rodeava,
o papa continuou atento. Completei:
― Como frade dominicano, ponho em suas
mãos a reabilitação de Giordano Bruno e Mestre Eckhart.
Poucos meses após
sua morte, em 1328, e como resultado das tensas polêmicas entre os dominicanos
e franciscanos da época, quinze de seus artigos foram condenados por Roma.
Eckhart, em si, nunca foi condenado. Como no caso de Tomás de Aquino e outros,
seus escritos superaram vários séculos de investigação escrupulosa e, hoje, são
considerados aporte fundamental da teologia mística alemã medieval.
A Ordem dos Dominicanos, em seu
Capítulo Geral de 1980, iniciou um processo oficial para estudar e avaliar de
novo os escritos de Eckhart, dando atenção especial aos artigos que foram
condenados na bula de 1329.
Giordano Bruno tinha uma visão panteísta
do mundo. Via na abóbada celeste o infinito cósmico. Foi um humanista, corrente
filosófica do Renascimento, cujo principal representante é Erasmo. A filosofia
do seu tempo estava baseada nos clássicos antigos, principalmente Aristóteles,
e Bruno teorizou contrariamente a eles. Defendia a tese do astrônomo alemão
Johannes Kepler (1571–1630) de que a Terra girava em torno do Sol, o que lhe
custou a condenação. Tinha caráter místico, e proclamou a seus algozes, que em
1600 o queimaram vivo no Campo dei Fiori, em Roma: “Vocês pronunciam esta
sentença contra mim com um medo maior do que eu sinto ao recebê-la.”
Francisco reagiu à
minha solicitação:
― Ore por isso.
Ao final, me dirigi a ele, primeiro, em
latim, e logo traduzi para o espanhol:
― Extra pauperes nulla salus
– Fora dos pobres não há salvação.
Francisco sorriu:
― Estou de acordo – disse ao se
afastar.
Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros
livros.
http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
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