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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

MISERICORDIAM VOLO ET NON SACRIFICIUM (MISERICÓRDIA E NÃO SACRIFÍCIO)



      por  Juracy Andrade



A pauta é o Sínodo, tão básico na tradição apostólica e tão relegado desde que o papa virou imperador de Roma (Francisco á apenas bispo de Roma, como ele mesmo fala) e se criou uma corte cardinalícia de aproveitadores sem compromisso com a Igreja de Cristo e que usurparam o lugar dos sucessores dos apóstolos. Tirei o título destas reflexões das palavras de Jesus Cristo no Evangelho de Mateus, capítulo. 9, versículo 13, tradução da Vulgata de São Jerônimo. Tirado do esquecimento pelo Concílio dos anos 1960, o Sínodo dos Bispos foi relegado, como não poderia deixar de ser, pelos papas Wojtyla e Ratzinger (João Paulo 2º e Bento 16). As conclusões e decisões de qualquer reunião de bispos só tinham valor depois de passar pelo crivo da Cúria Romana, que se reservava o direito de censurar os bispos. Como na reunião do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), em Aparecida, que contou com a participação do cardeal Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires e hoje o revolucionário papa Francisco. Este revigorou a instituição do Sínodo e foi voto vencido em algumas questões ali abordadas. Ouviu e valorizou os sucessores dos apóstolos. Não impôs sua vontade imperial.

Na abertura, exortou os participantes ao diálogo aberto, sem hipocrisia, sem orgulho e sem temor. Na contramão do conformismo e de outras doenças que afetam o mundo político e o religioso. Muito diferente do dogmatismo do Santo Ofício de Ratzinger e das imposições imperiais de Wojtyla.. Este Sínodo especial (o ordinário será no ano que vem e terá conclusões e diretrizes) foi preparado durante mais de um ano, através da busca de respostas a um questionário elaborado pelo papa Francisco. Junto com o próximo Sínodo, ele é de suma importância para a implantação das reformas que o bispo de Roma deseja. Temas complexos e historicamente ignorados pela Cúria Romana, como uniões de fato, uniões de gays, exclusão da mulher, métodos contraceptivos, celibato dos padres, participação de divorciados na eucaristia fizeram parte das deliberações sinodais.

Vamos esperar o Sínodo ordinário, no próximo ano, mas o que acaba de se encerrar foi uma prova muito importante para Francisco testar a receptividade à revolução que propõe. Ele ainda não pode acabar totalmente com os poderes que se atribui a Cúria Romana. Basta lembrar que ainda está aí firme o cardeal alemão Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, um êmulo do papa alemão. E também que o secretário particular de Ratzinger já expôs seu pensamento de que Francisco está desmoralizando a instituição papal. Nada mais disse nem lhe foi perguntado, mas isso basta.

A verdade, como lembra o monge Marcelo Barros (colaborador deste Porta-Voz), é que muitos bispos se dizem de acordo com as propostas do papa de renovação eclesial, mas formam seus seminaristas, futuros padres, dentro de uma linha contrária a qualquer mudança. Ele também propõe que o Sínodo seja uma instituição permanente. O que talvez levasse de fato ao desmantelamento da Cúria Romana. Lembra afinal uma palavra de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia: “A Igreja não pode ser apenas uma democracia. Ela tem de ser muito mais. Deve ser e se mostrar como comunhão”.

PS – Muito bom o blogue de Rejane misturadeletras.blogspot.com.br Também a edição mais recente do Jornal Igreja Nova, baluarte da resistência contra os desmandos de Dom Dedé, seguido de perto hoje, e talvez até ultrapassado, por Dom Aldo Pagotto, arcebispo da Paraíba.


Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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