Por Frei Betto
Há instituições e processos
sociais que asseguram sua unidade e coerência sobre um mito fundante. Exemplo
óbvio é a figura do papa à frente da Igreja Católica. Fosse o papado suprimido,
a Igreja seria um corpo sem cabeça. Cada bispo se julgaria no direito de
proceder como lhe conviesse e logo irromperiam conflitos e rupturas.
Uma instituição ou processo
social sem mito fundante é como um navio sem capitão ou aeronave sem piloto.
Exemplo é o PCB (Partido Comunista Brasileiro) quando Prestes se afastou de sua
direção. Nunca mais o partidão foi o mesmo. Nenhum de seus sucessores tinha
carisma suficiente para manter a coesão partidária. Aos poucos, o PCB perdeu
seu vigor.
O que seria do PT sem Lula?
Nenhum de seus líderes tem, como ele, o brilho da estrela. São como astros que
giram ao redor do sol e carecem de luz própria.
O que será de Cuba sem Fidel e
Raúl? Os dois se encontram em idade avançada. Deixarão sucessores capazes de,
como eles, manter o povo cubano confiante nos rumos da Revolução?
As grandes religiões se
segmentaram em tendências conflitantes após a morte de seus fundadores. Após
Jesus, a Igreja conheceu tendências heréticas e, no século XI, rachou-se entre
os patriarcados do Oriente e do Ocidente; no século XVI, Lutero abriu um novo
caminho para a fé cristã de costas para Roma.
O mesmo ocorreu entre os
muçulmanos após a morte de Maomé. Dividiram-se entre sunitas e xiitas e, hoje,
em países árabes, combatem entre si com armas nas mãos. Até mesmo os discípulos
de Francisco de Assis assumiram caminhos divergentes, divididos entre frades
menores e capuchinhos.
Inútil argumentar contra o
culto à personalidade, como se as pessoas aderissem a um partido político ou
religião após tomarem conhecimento de seu programa ou de sua doutrina, ainda
que seus líderes sejam corruptos. Na nossa cultura, o exemplo pessoal fala mais
alto do que propósitos enunciados em discursos e projetos. Talvez o culto à
personalidade seja um mal necessário.
A dificuldade, hoje em dia, em
tempos de evasão da privacidade, é encontrar quem sirva de exemplo, como é
o caso do papa Francisco. Estamos todos sujeitos ao olho panóptico do Big
Brother. Nada escapa à transparência facilitada pelas novas tecnologias. Não há
mais segredos invioláveis. Como demonstrou Snowden, até o sistema de segurança
dos EUA é vulnerável. E hackers são capazes de invadir os mais protegidos
computadores.
Soma-se a isso a inversão de
valores. Minha geração admirava pessoas solidárias, movidas por ideais
humanitários, como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela. Quem são os
ídolos dos jovens de hoje? A maioria se mobiliza pela ambição de riqueza,
beleza, fama e poder. Estaria disposta a se engajar na construção de um
mundo de justiça e paz?
O que me deixa otimista é o
fato de o planeta ter se tornado uma pequena aldeia. Todas as fronteiras estão
ameaçadas, as territoriais e as que segregam pessoas.
Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao
mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
http://www.freibetto.org/>
twitter:@freibetto.
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