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sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Dama de Ferro e o Militante Irlandês



por  MARIA CLARA LUCCHETTI BINGERMAN

 Morreu Margaret Thatcher, a loura e implacável primeira-ministra da Grã Bretanha que reinou absoluta  e poderosa durante 11 anos (1979-1990), levando adiante uma política conservadora que dividiu a Inglaterra econômica e politicamente. Brilhantemente inteligente e ferreamente determinada, foi a primeira mulher a liderar um partido na Inglaterra e a primeira mulher primeira-ministra na monarquia inglesa.

     Casada e mãe de dois filhos que lhe sobrevivem, Margaret Thatcher faleceu no último dia 8, com complicações de uma saúde já combalida por seus mais de 80 anos de idade e uma demência senil que já se arrastava há alguns anos. A Inglaterra a homenageou e outros estadistas e líderes políticos do mundo inteiro também. Alguns, como o ex-presidente francês Giscard d´Estaing declararam que tinha grande charme e uma presença muito positiva nas reuniões das grandes potências.

      É conhecida igualmente a amizade que a ex primeira-ministra entretinha com o então presidente dos EUA, Ronald Reagan.  A aliança entre as duas potências, que se explicitou durante o período de Thatcher no poder por apoios explícitos, por exemplo, na guerra das Malvinas, continua.  O presidente Barack Obama declarou seus sentimentos pela morte da baronesa Thatcher, dizendo que os EUA perdiam uma grande amiga.
     Maggie Thatcher é alguém que poderia haver se tornado um ícone da emancipação e promoção da mulher no mundo inteiro.  Poderia ser citada como exemplo e inspiração para o feminismo dos anos 1980 e o atual. Afinal, uma mulher que chegou ao posto político mais alto em seu país, abaixo apenas da própria rainha.   E no entanto, não o é.  Por quê?  Simplesmente porque não encarna certos valores, atitudes e prioridades que as mulheres consideram fundamentais para sua identidade. Pelo contrário, sua biografia a coloca como antípoda daquilo que a mulher propõe à sociedade como síntese e como aspiração.
     Deixando de lado sua briga com os mineiros britânicos e seus sindicatos, que dizimou a organização trabalhista dos mesmos em nome de uma riqueza e desenvolvimento do país que não contemplava muito os direitos humanos, para mim – e creio que para muitos – Thatcher é uma figura que choca mais que encanta, principalmente por dois fatos: sua atitude diante dos militantes do IRA que reivindicavam para si o estatuto de presos políticos e suas decisões durante a guerra das Malvinas com a longínqua Argentina pela posse do arquipélago situado na Antártida daquele país.

      O início dos anos 1980 foi marcado, na sociedade britânica, mas com forte repercussão internacional, pela queda de braço  entre Margaret Thatcher e um grupo de militantes do IRA, que terminaria de forma trágica, com a morte do jovem Bobby Sands. Ele era militante do IRA desde os 18 anos, e membro eleito do Parlamento inglês. Morreu de fome aos 27 anos, na prisão de Long Kesh - onde cumpria pena de 14 anos por envolvimento num atentado à bomba, que negou sempre.

     Bobby e seus  companheiros exigiam serem considerados prisioneiros políticos, usarem as suas próprias roupas e não uniformes de presidiários, não serem obrigados a trabalho prisional,  terem direito a visitas semanais e a recursos para escrever, e a organizarem os seus próprios tempos com atividades por eles escolhidas. Tudo lhes foi negado pelo governo Thatcher. 
     A causa de Sands  era  a libertação da Irlanda do Norte da ocupação inglesa. Por isso lutou e entregou sua vida. Passou a maior parte da sua curta vida em prisões inglesas: cumpriu pena dos 18 aos 21 anos. Preso seis meses após a libertação, foi voltou à prisão novamente até abril de 1976. Em outubro desse mesmo ano foi condenado àquela que seria a sua derradeira pena, pois morreu na enfermaria da prisão na sequência da defesa encetada pelos seus direitos, após 66 dias sem se alimentar. 
     Sua morte chocou a opinião pública através do mundo.  Mesmo discordando dos métodos violentos usados pelo IRA para lutar pela libertação da Irlanda, que acabaram atingindo e matando muitos, inclusive civis e inocentes, era evidentemente desumano deixar morrer de fome um grupo de seres humanos. As reações de censura ao Governo inglês foram mundiais, aliás como tinham sido as pressões para que Thatcher e sua equipe não permitissem a morte pela fome de pessoas tão jovens e em luta pelos seus ideais.

            Na contramão de sua identidade de mulher, que é guardiã da vida, Margaret Thatcher teve sua biografia marcada para sempre pela vida interrompida de Bobby Sands e vários de seus companheiros.  A estes se seguiriam os jovens soldados argentinos que morreram na insana guerra das Malvinas, onde a Dama de ferro tampouco afrouxou por um minuto sua implacável dureza.

            Enquanto as mulheres que chegam ao poder reproduzirem a obsessão masculina de fazer guerras, a humanidade não conhecerá melhores dias.  Sem emitir juízos definitivos sobre a totalidade da vida de Thatcher, cremos que esses pontos de sua vida certamente não contribuem em nada para a promoção da mulher na sociedade.  Que ela descanse em paz, mas que não nos inspire em sua rigidez inabalável.
  A  teóloga é autora de “Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que  pode ser  encomendado diretamente à escritora pelo e-mail –  agape@puc-rio.br – R$ 20,00

Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)


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