Por MARCELO BARROS
A maioria da
sociedade civil brasileira estranha que o deputado posto na coordenação da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal manifeste opiniões preconceituosas
que não contribuem com os direitos humanos, principalmente de grupos minoritários
e vítimas de discriminação social. O Brasil ocupa o
primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos homofóbicos. Contabiliza 44%
das ocorrências no globo. De 2007 a 2012, calculam-se em 1.341 homicídios
contra a população LGBT. O Disque 100 recebe por dia, em média, oito denúncias
de violência contra homossexuais. Em 2012, no país, foram registrados 338 assassinatos de gays, travestis e
lésbicas, sem falar nos casos não denunciados. Nesse contexto, a Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados tem como coordenador alguém cujas
posições públicas contribuem para reforçar preconceitos. O mais grave de
tudo não é o deputado Marco Feliciano afirmar que Deus, pessoalmente, é o
mandante do assassinato de John Lemmon ou é o responsável pelo acidente que vitimou
o grupo Mamonas Assassinas, nem que tornou os negros amaldiçoados por serem
filhos de Cam, o filho rebelde de Noé.
Ao afirmar isso
como quem defende o direito de Deus ser cruel, desumano e despótico, ele põe em
julgamento não as categorias e pessoas que ele discrimina e sim o próprio Deus.
Deus é o réu em um julgamento no qual quem o diz defender, verdadeiramente o
acusa e quem não fala em Deus parece mais ser seu representante. Por isso, as
posições do deputado Feliciano nos desafiam não apenas a protestar contra o
pensamento que consideramos absurdo em alguém que se diz cristão, mas a nos preocupar
com o fato de que esse tipo de visão é muito comum entre os cristãos e tem muitos
seguidores entre pastores e fiéis em todas as Igrejas. Na semana passada, em um
grande evento de uma Igreja pentecostal em Brasília, o pastor Feliciano foi
aplaudido de pé por 40 mil pessoas. Infelizmente muitos pastores pentecostais,
evangélicos e mesmo alguns prelados católicos não se pronunciam tão explicitamente,
mas pensam do mesmo modo sobre Deus, sobre a sociedade e sobre a vida. Não são
poucos os padres e bispos católicos, assim como pastores evangélicos de Igrejas
históricas com as mesmas posições homofóbicas, discriminatórias e intolerantes
do pastor Feliciano. Há poucos anos, depois do terremoto do Haiti, um pastor
foi à televisão e declarou que aquilo aconteceu como castigo do Deus porque os
haitianos adoram deuses africanos. No Brasil, há alguns anos, um cardeal declarou
que a Aids é um castigo de Deus para a humanidade pecadora. Ao nos deparar com essa interpretação
fundamentalista da fé, podemos compreender a posição de Richard Dawkins,
filósofo ateu, que afirmou: “Encher o mundo com religião e principalmente com
religiões monoteístas equivale a espalhar pelas estradas pistolas carregadas.
Não se surpreendam se elas forem usadas”. E assim, se tornam compreensíveis cruzadas,
tribunais de inquisição, caça às bruxas e perseguições de hereges. E os fiéis
continuam contentes ao ler ao pé da letra que o Deus da Bíblia libertou os
hebreus e afogou os egípcios no Mar Vermelho, mandou matar todos os cananeus,
habitantes da terra, invadida pelo povo de Deus e inspirou o salmo que diz:
“Podem cair mil à tua direita, dez mil à tua esquerda, fiques tranquilo que
nada te acontecerá” (Sl 91). Esse modo pouco amoroso de compreender a fé ensina
que existe inferno e diz que Deus amou Jacó e rejeitou Esaú.
Graças a Deus,
cada vez mais cresce o número de cristãos que reconhecem a Bíblia como escritura
de uma palavra divina, mas a partir de uma cultura humana e condicionada por
elementos que temos de ser capazes de criticar e transformar. A própria
revelação divina se deu em um processo evolutivo. A compreensão do patriarca
Abraão de que Deus o mandava matar o seu filho Isaac, se transformou muito no
decorrer da Bíblia. Evoluiu até Jesus revelar a Deus como Paizinho que “faz o
sol nascer sobre os bons e sobre os maus e chover sobre os justos e os injustos”
(Cf. Mt 5, 45). Roger Schutz, fundador da comunidade ecumênica de Taizé,
resumiu: “Se é Deus, ele só pode amar!”. Um deus cruel e impiedoso que castiga
e discrimina pessoas é um ídolo e não o Deus de Jesus Cristo. Um Deus menos
humano e menos bondoso do que qualquer pessoa razoável do nosso tempo é um
divisor (em grego, diabolos) e não o
Deus do qual João escreveu: “Deus é amor, quem vive o amor, vive em Deus e Deus
vive nessa pessoa” (1 Jo 4, 16).
Marcelo
Barros, monge beneditino e peregrino de Deus
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