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domingo, 7 de abril de 2013

Pátria amada, idolatrada, Salve, Salve?


por REJANE MENEZES

O ano era 1964, o mês era abril. E o dia, ah!, parecendo até brincadeira, o dia era 1º de abril. Começa, naquele momento, a história de um povo altivo e alegre que passaria a ser oprimido e humilhado por um golpe militar.



49 anos se passaram e os horrores praticados pelo regime que teve início naquele fatídico 1º de abril deixaram marcas muito profundas, nas vítimas que conseguiram sobreviver, nos familiares dos que sucumbiram às atrocidades e perseguições e no povo brasileiro de maneira geral.



A terra das palmeiras onde cantam os sabiás passou, pouco a pouco, a ser a terra dos subterrâneos, onde cantam os chicotes e os pau-de-arara. Virou a terra do medo, dos sussurros, do patrulhamento ideológico.



As aves que aqui gorjeavam bateram asas e foram cantar bem longe dos tanques, das metralhadoras e dos Doicods.



Amar a pátria e querer livrá-la de seus algozes passou a ser, com muita sorte, um passaporte para o exílio. Para outros, justificativa para tortura ou uma sentença de morte.



Foram embora políticos, intelectuais, artistas, filhos e filhas de uma pátria muito amada, à qual tinham que dizer adeus, sem esperança de vê-la outra vez. Uma pátria que os expulsava, que os consumia mas que, com toda certeza, em suas entranhas, chorava a dor de a uns ver partir, talvez para sempre. E a outros, dor maior, ter que engolir inertes, por terem tido suas vidas roubadas.



Geraldo Vandré, em seu exílio cantava: “Se é pra dizer adeus, pra não te ver jamais, eu que dos filhos teus, fui te quere demais. Nos versos que hoje choram, pra me fazer capaz, da dor que me devora, quero dizer-te mais. Que além de adeus agora, eu te prometo em paz, levar comigo afora, a dor demais”.



E, em sua dor de saudade, a pátria lhe respondia: “amado meu, sempre será, quem me guardou no seu cantar, quem me levou além do céu, além dos seus e além do mais. Amado meu, que além de mim se dá, não se perdeu e nem se perderá”.



Chico Buarque cantou o desejo de voltar e ouvir cantar uma sabiá. Afirmava que  voltaria para o seu lugar. Na letra musicada por Tom Jobim, ele dizia: “Vou voltar, sei que ainda vou voltar, não vai ser em vão que fiz tantos planos de me enganar, como fiz enganos de me encontrar, como fiz estradas De me perder, fiz de tudo e nada de te esquecer”.



O nosso poetinha Vinícius dizia em versos carregados de emoção: “A minha pátria é como se não fosse, é íntima/ Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio / Assistindo dormir meu filho/Choro de saudades de minha pátria. (...) Fonte de mel, bicho triste, pátria minha/ Amada, idolatrada, salve, salve!/ Que mais doce esperança acorrentada/ O não poder dizer-te: aguarda...Não tardo! / Quero rever-te, pátria minha, e para / Rever-te me esqueci de tudo/ Fui cego, estropiado, surdo, mudo /Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes / Fiquei simples, sem fontes. (...) Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa/ Que brinca em teus cabelos e te alisa /Pátria minha, e perfuma o teu chão.../ Que vontade de adormecer-me /Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas /E ao batuque em teu coração. /
Não te direi o nome, pátria minha /Teu nome é pátria amada, é patriazinha / Não rima com mãe gentil / Vives em mim como uma filha, que és /Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.”



Foram 21 anos de sofrimento, de gritos de libertação, ouvidos mundo afora, apesar de tantos à força calados. Foram duas décadas de sentimentos pisados e amores sufocados.



Hoje, olhamos para nossa pátria e a vemos cada vez menos amada, quiça, idoladrata.

Nossos jovens mal conhecem a letra do Hino Nacional. Talvez, em tempos de copa do mundo, em pódios de Fórmula 1, anseiem  por ouvi-lo. Mas fora disso, não há entusiasmo.



Na década de 70, quando eram criados slogans do tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”, era publicada no Pasquim uma charge, mostrando um aeroporto com uma fila imensa de pessoas indo embora e a frase: “o último a sair apague a luz!” Os anos passaram, a ditadura acabou, mas muitos ainda fazem fila nos aeroportos. Só que agora não mais para fugir da opressão. Mas para deixar para trás uma pátria que não aprendeu a amar como sua.



Onde andam os cantadores do meu Brasil brasileiro? Cadê tuas aquarelas?

49 anos depois, apesar de o sonho das eleições diretas se ter tornado realidade já  há 24 anos, apesar da democracia ter voltado, apesar de termos tido um operário nordestino comando com maestria o nosso país, e hoje teremos uma mulher como presidente, os que tomaram de assalto a nossa liberdade ainda são vitoriosos. Porque, além das vidas que roubaram, da liberdade que cercearam, das ideologias que sufocaram, eles conseguiram a façanha de destruir as sementes de amor à pátria que iriam brotar nas gerações futuras. Sem sementes, não há plantio, não há colheita.



Hoje a corrupção, antes encoberta, às claras, a céu aberto, corrói as entranhas da sociedade, tirando dos que nada tem e aumentando os que já não sabem fazer com o tanto que tem.



Haverá ainda quem, longe de casa, escreva versos como os que Vinícius ainda diz em sua poesia: “Mais do que a mais garrida a minha pátria tem / Uma quentura, um querer bem, um bem / Um libertas quae sera tamem / Que um dia traduzi num exame escrito: / ‘Liberta que serás também’/ E repito!”



Antes, o sonho era a libertar o país. Hoje, é libertar-se dele.

A sabiá continua a entoar seu canto pelo verde louro das matas, cantando a paz do futuro e as glórias do passado. No céu da pátria ainda brilha o sol e o cruzeiro do sul resplandece. Nossos risonhos campos continuam carregados de flores, nossos bosques ainda têm mais vida, embora em teu seio, a vida ande tão precisada de mais amores.



Antes, mesas alegres e barulhentas, reuniam as famílias, nos almoços de domingo. Avós, filhos e netos podiam se encontrar, se abraçar, conversar sobre a semana, sobre seus planos, seus sonhos, desventuras e alegrias. Hoje, é a internet quem reúne as famílias, numa tentativa de diminuir a saudade, substituindo abraços e beijos pela imagem distante.



Quem dera as sementes estejam apenas adormecidas, hibernando em um sono reparador e, um dia, despertem cheias de raça e vigor e, plantadas nos corações de cada brasileiro, estejam onde for, desabrochem em amores eternos e, ainda longe, possam enviar a pátria algum verso: “Agora chamarei a amiga cotovia /E pedirei que peça ao rouxinol do dia / Que peça ao sabiá / Para levar-te presto este avigrama:"Pátria minha, saudades de quem te ama... / Vinicius de Moraes." E tantos mais.

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