Por MARCELO BARROS
Quando dona Cora Coralina,
a nossa grande poetisa da vida cotidiana, sugeriu ao presidente da República,
que instituísse “O Dia nacional do Vizinho”, em nenhum lugar, havia ainda esta
iniciativa. Atualmente, existe o “Dia europeu da Vizinhança”, celebrado no
final de maio. A Argentina festeja o seu “Dia de los vecinos” no 11 de junho. O
Brasil consagra como Dia dos Vizinhos o 20 de agosto, data do aniversário
natalício da inesquecível dona Cora. Esta valorização da vizinhança se torna mais
importante, em cidades maiores, nas quais edifícios substituem casas. Ali,
embora, frequentemente, as pessoas se encontrem no mesmo elevador, muitas
vezes, não se conhecem. Não é o mero fato de morar no apartamento ou na casa ao
lado, que torna alguém vizinho. A pessoa pode viver durante anos em um lugar,
se queixando da agitação, do calor, da poeira ou da insegurança. Outros têm
plena consciência destes problemas e lutam para vencê-los, mas, assim mesmo,
casam com a rua ou praça onde moram. Quando pessoas da mesma rua ou do mesmo
condomínio pressentem em outras, esta relação vital com o lugar em que moram,
aí se fortalece uma proximidade de convivência que é a vizinhança. Para ser bem
vivida, esta precisa de uma educação para o diálogo e a convivência entre
diferentes. Cora Coralina dizia: “Vizinho é mais do que parente, porque é o
primeiro a saber das coisas que acontecem na vida da gente”.
Em tempos anteriores à televisão e aos
shoppings, nas cidades do interior, ou em bairros residenciais, toda noite, as
pessoas costumavam sentar à porta de casa, para conversar e conviver.
Normalmente, a roda de conversa acabava se abrindo também aos vizinhos e vizinhas.
Assim, se formavam verdadeiras rodas de discussão, com assuntos como educação
de filhos, relacionamentos conjugais e futebol. Hoje, a televisão e a cultura
do shopping substituíram estes ritos de convivência, mas não resolvem o
problema da solidão dos mais velhos e da futilidade de quem olha o mundo apenas
pela janela do consumo descartável.
Há mais de 50 anos, o educador Paulo
Freire propôs um método de alfabetização e educação de adultos que partia da
vizinhança. Formava círculos de diálogo e cultura entre vizinhos. Ali, as
pessoas aprendiam a expressar sua posição sobre a vida e os problemas que
enfrentavam. Mesmo perseguido pela ditadura militar, este método de
conscientização se espalhou pelo Brasil, por outros países da América Latina e
até em Angola e Cabo Verde, na África. Na mesma linha, na segunda metade dos
anos 60, em várias regiões do Brasil, homens e mulheres de fé cristã, começaram
a se reunir como vizinhos, para orar, ouvir juntos um texto bíblico, conversar
sobre problemas da vida e fortalecer a solidariedade mútua. Foi o começo das
comunidades eclesiais de base. Mais tarde, várias Igrejas evangélicas organizaram
grupos semelhantes, como “Igreja em células” e “Igreja em quadros”, comunidades
de convivência e proximidade, instrumentos de comunhão entre as pessoas.
Há mil razões para se valorizar a prática
da vizinhança. Quem crê em Deus como Luz e fonte de vida, o contempla, não como
alguém exterior a nós e que de fora intervém neste mundo, mas como presença
íntima e profunda, no coração de toda pessoa humana, especialmente de quem se
abre ao amor, independentemente de sua pertença religiosa. Um teólogo
evangélico dizia: “Deus está em mim para você e em você para mim. Eu o encontro
em você e, se quiser, você pode encontrá-lo em mim”. Por isso, podemos olhar
nossos vizinhos e vizinhas, como sinais da presença divina. Eles são humanos e
têm seus defeitos e limitações, mas se os olharmos assim, pouco a pouco, se
transformarão, principalmente se perceberem que, de fato, cremos: através deles
e no mais íntimo de cada um/uma, Deus mora lá na nossa rua.
Marcelo
Barros, monge beneditino e peregrino de Deus
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