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terça-feira, 8 de maio de 2012

O TRABALHO E A NOVA GEOGRAFIA



por Maria Clara



                      O Dia do Trabalho é ocasião sempre propícia para repensar a realidade do mundo e da sociedade em que se vive.  O trabalho é um elemento essencial na vida humana.  Pelo seu excesso, pela sua falta, pelo seu exercício, o ser humano se autocompreende e capta o sentido de seu papel no mundo.

            É por isso que celebrar o Dia do Trabalho, no último 1 de maio, em meio a tantas e tão aceleradas mudanças que acontecem sem cessar ao nosso redor, nos obrigam a repensar a situação e a configuração da condição humana que é a nossa hoje em dia.

            Quando caíram as utopias no ano de 1989, falou-se em “fim da história”.  Hoje se fala já do “fim da geografia”, sobretudo  para significar uma geografia que começa a ser reconfigurada e assiste ao final das fronteiras, graças, sobretudo, aos fenômenos da globalização e das migrações que redesenham as mesmas.

           Economicamente, esta nova geografia do mundo está longe de ser polarizada em termos Sul-Sul, ou tampouco Leste-Oeste, marca principal dos tempos da guerra fria; ou mesmo Norte-Sul, no sentido do velho paradigma das relações de dependência centro-periferia. A globalização vem se encarregando de transformar todas as formas de compartimentalização hemisférica, continental ou mesmo sub-regional do mundo. Ou seja, a geografia econômica tende a ignorar as geografias física e humana. Por exemplo, os “outsourcing” de contadores, engenheiros e os "call centers" na Índia redesenham o mapa do trabalho, que não mais pode ser entendido como antes.

            Um choque está, portanto, acontecendo entre o desenvolvimento desnorteado das forças produtivas da indústria e as relações de produção criadas para regularizá-las. A reconfiguração que isto provoca sobre o trabalho afeta a maneira mesmo de conceber esta categoria e do ser humano poder inserir-se nela.

            As migrações internacionais, atualmente, constituem um espelho das assimetrias das relações socioeconômicas vigentes em nível planetário. São termômetros que apontam para as contradições das relações internacionais e da globalização neoliberal. Tomando por base o referencial demográfico, vê-se que os deslocamentos migratórios fazem parte da natureza humana, mas são estimulados, quando não forçados, nos dias de hoje, pelo advento da tecnologia e pelo impacto da problemática econômica, nesta lógica inversa de sua preponderância em relação ao ser humano.

         A intensidade e a complexidade da mobilidade humana contemporânea trazem sérias interrogações em relação a suas causas. Trata-se de um fenômeno “espontâneo” ou “induzido”? Estamos diante de migrações “voluntárias” ou “forçadas”? Na realidade, tem-se a impressão de que a emigração maciça para os países do Norte do Mundo, antes que consequência da livre escolha de indivíduos, decorre diretamente da crise do atual modelo de globalização neoliberal que concentra as riquezas e subordina o capital produtivo e gerador de empregos ao capital especulativo financeiro. As pessoas emigram fundamentalmente em busca de trabalho e sustento que não encontram em sua região de origem.

      Neste novo panorama geográfico humano, a metáfora que parece mais adequada é a da esperança de chegar à terra prometida que teleologicamente fez da aventura de Abraão algo bem diferente do eterno retorno à Ithaca de Ulisses.  Os milhares de latinos que cruzam diariamente a fronteira americana ou as centenas de africanos que desembarcam nas costas mediterrâneas trazem consigo um sonho: o sonho americano, ou o trabalho em um país europeu desenvolvido.  Em suma, algo que para eles e elas é a terra prometida, com diversos componentes e elementos: trabalho, vida melhor para os filhos e descendentes etc.

      Aí se apóia o sonho moderno, a esperança moderna: chegar à terra prometida e ser parte de seu processo, trazendo junto consigo o sentimento de culpa e a sensação de fracasso de não andar suficientemente rápido. Esta culpa angustia e tritura interiormente, mas igualmente protege a esperança da frustração de ver que finalmente se apoiava sobre um sonho não real.  Por isso, a culpa nunca desaparece e mantém o ser humano em movimento. O que o espera, porém, não é a gratificação adiada, mas a impossibilidade de ser gratificado.

      Contando com meios extremamente avançados e sofisticados, o trabalho humano hoje em dia carrega em si, no entanto, muito de escravidão.  Todos os esforços para repensar essa situação e tratar de transformá-la são missão iniludível para as novas gerações.

    Maria Clara Bingemer
, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre  ética,   mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.  

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