Por
Marcelo Barros
A convivência social e política se
apoia na consciência de que todas as pessoas têm direitos invioláveis que, sob
nenhuma condição, podem ser desrespeitados. Nessa quinta feira, a humanidade
celebra mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
assinado pelos 190 países da ONU no dia 10 de dezembro de 1948. Infelizmente,
grande parte da humanidade ainda não se convenceu de que, cada vez que se
desrespeita o direito de uma pessoa humana, seja ela quem for, é toda
humanidade que é atingida e desrespeitada. Comumente, a sociedade dominante
apresenta os Direitos Humanos apenas como campo de inviolabilidade individual.
Nele se destacam os direitos liberais de ir, vir, comprar e consumir. Nas últimas
décadas, quem mais invoca a Declaração dos Direitos Humanos são os impérios
ocidentais. Eles insistem nesses direitos individuais, mas, para tê-los o
passaporte necessário é o dinheiro. Nessa sociedade, a pessoa só é cidadã se
puder ganhar e consumir. Ao mesmo tempo que prega direitos individuais para
ganhar mais dinheiro, governos de potências que se dizem democráticas têm
invadido países, torturado e assassinado pessoas, além de destruir civilizações
e culturas humanas, como ocorreu recentemente com templos milenares no
Paquistão e monumentos culturais no Golfo Pérsico e em todo o Oriente Médio. Povos
pobres da América Latina e da África testemunham que, desde tempos coloniais,
governos ocidentais, ditos democráticos e civilizados violam a justiça internacional
e patrocinam golpes. Financiam os piores partidos políticos, sempre à sombra
dos direitos humanos e até em nome da civilização cristã. O resultado disso é o
que vemos todos os dias nos jornais: países destruídos pela ambição imperial,
milhares e milhares de migrantes tentando sobreviver em outros países e grupos
radicais que respondem à violência do Império com o terrorismo fundamentalista.
No fundo, o que os grupos terroristas conseguem é apenas dar uma aparência de
legitimidade às guerras que agora se declaram contra os terroristas. Pouco
adiantou que, já no seu tempo, o Mahatma Gandhi lembrava aos impérios que, se
cumprirmos a lei do “olho por olho, dente por dente”, acabaremos todos cegos e
desdentados.
As antigas civilizações da Ásia,
Oceania e África, assim como as comunidades índias e afrodescendentes da
América insistem que os direitos não são apenas individuais e sim comunitários
e coletivos. Existem os direitos de cada pessoa e direitos que são comunitários
como o direito dos índios ao seu território, o direito de todo ser vivo à água
potável para beber e viver, o direito ao ar puro para respirar e assim por
diante.
O amor incondicional e solidário nos
leva a assumir a responsabilidade ética pelos mais frágeis e marginalizados. E
além de nos solidarizar à luta dos lavradores, índios, negros, mulheres
oprimidas e todas as categorias, de alguma forma, vítimas da sociedade
excludente, essa solidariedade nos leva a um novo modo de pensar e viver a
relação com a Terra, a água, a natureza, os animais e todo ser vivo. Também, a Terra, as águas, os animais e as
plantas precisam ser cuidados e defendidos. Não podemos tratá-los como se
fossem meras mercadorias. Conosco eles formam uma grande teia de relação que é
como uma comunidade: a comunhão da vida. Esse modo de viver e compreender a
vida e os direitos humanos faz parte de uma cultura amorosa que chamamos de Espiritualidade
integral ou cósmica.
Ao privilegiarem a relação amorosa com
a terra, a cura das doenças e o equilíbrio da vida, as tradições indígenas e
afro-descendentes revelam a mesma raiz ética e espiritual. De uma forma ou outra, todas as religiões
reconhecem: o divino só pode ser encontrado realmente no humano. A
espiritualidade, seja religiosa ou não, faz da defesa dos direitos do ser
humano e da natureza um método de intimidade com o Divino, presente no mundo.
No século II, Irineu, pastor da Igreja de Lyon, ensinava: “Como você poderá
divinizar-se se ainda nem se tornou humano? Antes de tudo, garanta a condição
de ser humano e, assim, poderá participar da glória divina”. A mística francesa
Simone Weil afirmava: “Eu reconheço quem é de Deus não quando me fala de Deus,
mas pelo seu modo de tratar as outras pessoas”.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
Postado p
Nenhum comentário:
Postar um comentário