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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

AINDA A CARTA DE MARTINHO LUTERO AO PAPA LEÃO 10º (CONCLUSÃO)

 Por Juracy Andrade



De início, chamo a atenção de minhas leitoras e leitores para uma minissérie que começa na próxima quinta-feira às 21h no canal History sobre ‘Francisco, o jesuíta’, baseada na biografia do papa feita pelos jornalistas Sergio Rubin e Francesco Ambrogetti, O papa Francisco -Conversas com Jorge Bergoglio. Não percamos. E prossigo, concluindo, com aquela carta de Martinho Lutero ao papa Leão 10º. Como vimos anteriormente, Lutero trata o papa com toda a reverência devida, mesmo enquanto mostra a Cúria Romana como "mais corrupta do que qualquer Babilônia ou Sodoma". Vimos também como Roma lhe negou o concílio ecumênico que ele propôs para examinar controvérsias teológicas, o que incluiria obviamente as teses dele. Fala depois sobre teólogos arrogantes que só desejavam humilhá-lo mediante debates, como João Eck, Carlos von Miltitz, cardeal Caetano, entre outros.

Prossegue o reformador em sua carta ao papa: "Por conseguinte, meu pai Leão, toma cuidado para não dar ouvidos a essas sereias, que não fazem de ti um simples ser humano, mas um semideus, de modo que possas ordenar e exigir o que quiseres, [...] Não te deixes enganar pelos que fazem de conta que tu és o senhor do mundo , que não permitem que alguém seja cristão sem a tua autoridade e tagarelam que tens poder sobre o céu, o inferno e o purgatório. Eles são teus inimigos e procuram causar a perdição de tua alma [...] Erram os que te elevam acima de um concílio da Igreja universal. Erram os que atribuem unicamente a ti o direito de interpretar as Escrituras".

“Sigo o exemplo de São Bernardo no livrinho Da consideração, dirigido ao papa Eugênio, livrinho esse que todo pontífice deveria saber de cor. [...] ... trabalhas em tal situação de miséria que necessitas também da menor ajuda de qualquer um dos menores irmãos. Não me parece absurdo se eu esquecer de tua majestade enquanto cumpro um dever de caridade. Se não entenderem que, nisso, sou teu amigo e mais do que sujeito a ti, há alguém que entende e julga.

Por fim, para não chegar de mãos vazias, beatíssimo Pai, trago comigo este pequeno tratado, publicado sob teu nome como um auspício de paz a ser feita e de boa esperança. [...]. Com isto encomendo a mim mesmo a tua paternidade e beatitude, que o Senhor Jesus preserve perpetuamente. Amém".

Lutero se refere aí ao livrinho Tratado sobre a liberdade cristã (Martini Lutheri tractatus de libertate christiana), de 1520. Volto a lembrar. Vocês já imaginaram se o papado tivesse convocado de fato um concílio naquela época, antes de Lutero ter sido expulso da Igreja Romana? Ao contrário, agudaram décadas até convocar o Concilio de Trento, a que se chama sintomaticamente de Contrarreforma, e que endureceu ao máximo as posições autoritárias, dogmáticas e voltadas para o culto à personalidade do papa.da Igreja Romana e do Vaticano. Sabemos que, na verdade, Jesus Cristo confiou a unidade e continuidade de sua pregação e de seus discípulos a seus doze apóstolos, e não exclusivamente a Pedro. Tanto que quem procurou centralizar tudo e carregou Pedro para Roma foi São Paulo, que se atribuía uma sollicitudo omnium ecclesiarum (solicitude por todas as comunidades cristãs) que passava longe por cima de Pedro e de todos os demais apóstolos. Apesar de Paulo nem sequer haver conhecido Cristo e convivido com ele. A partir do século 4º, o Colégio Apostólico dos sucessores dos apóstolos foi anulado em benefício do bispo de Roma. O que causou os cismas posteriores.

Se Martinho Lutero não houvesse sido ignorado e anatematizado pela corte papal, quem sabe não teríamos hoje tantas instituições que se intitulam cristãs e evangélicas (não adotam mais o termo “protestante”, tão luterano e característico dos protestos de muitos cristãos revoltados contra a venda de indulgências e outros tenebrosos desvios do papado) e que, contudo, são apenas instituições financeiras que vendem de tudo, inclusive aquelas indulgências que tanto revoltaram Lutero e seus seguidores.

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Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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