Por Juracy Andrade
De início,
chamo a atenção de minhas leitoras e leitores para uma minissérie que começa na
próxima quinta-feira às 21h no canal History sobre ‘Francisco, o jesuíta’,
baseada na biografia do papa feita pelos jornalistas Sergio Rubin e Francesco
Ambrogetti, O papa Francisco -Conversas
com Jorge Bergoglio. Não percamos. E prossigo, concluindo, com aquela carta
de Martinho Lutero ao papa Leão 10º. Como vimos anteriormente, Lutero trata o
papa com toda a reverência devida, mesmo enquanto mostra a Cúria Romana como
"mais corrupta do que qualquer Babilônia ou Sodoma". Vimos também
como Roma lhe negou o concílio ecumênico que ele propôs para examinar
controvérsias teológicas, o que incluiria obviamente as teses dele. Fala depois
sobre teólogos arrogantes que só desejavam humilhá-lo mediante debates, como
João Eck, Carlos von Miltitz, cardeal Caetano, entre outros.
Prossegue
o reformador em sua carta ao papa: "Por conseguinte, meu pai Leão, toma
cuidado para não dar ouvidos a essas sereias, que não fazem de ti um simples
ser humano, mas um semideus, de modo que possas ordenar e exigir o que
quiseres, [...] Não te deixes enganar pelos que fazem de conta que tu és o
senhor do mundo , que não permitem que alguém seja cristão sem a tua autoridade
e tagarelam que tens poder sobre o céu, o inferno e o purgatório. Eles são teus
inimigos e procuram causar a perdição de tua alma [...] Erram os que te elevam
acima de um concílio da Igreja universal. Erram os que atribuem unicamente a ti
o direito de interpretar as Escrituras".
“Sigo o
exemplo de São Bernardo no livrinho Da
consideração, dirigido ao papa Eugênio, livrinho esse que todo pontífice
deveria saber de cor. [...] ... trabalhas em tal situação de miséria que
necessitas também da menor ajuda de qualquer um dos menores irmãos. Não me
parece absurdo se eu esquecer de tua majestade enquanto cumpro um dever de
caridade. Se não entenderem que, nisso, sou teu amigo e mais do que sujeito a
ti, há alguém que entende e julga.
Por fim,
para não chegar de mãos vazias, beatíssimo Pai, trago comigo este pequeno
tratado, publicado sob teu nome como um auspício de paz a ser feita e de boa
esperança. [...]. Com isto encomendo a mim mesmo a tua paternidade e beatitude,
que o Senhor Jesus preserve perpetuamente. Amém".
Lutero se
refere aí ao livrinho Tratado sobre a
liberdade cristã (Martini Lutheri tractatus de libertate christiana), de
1520. Volto a lembrar. Vocês já imaginaram se o papado tivesse convocado de
fato um concílio naquela época, antes de Lutero ter sido expulso da Igreja
Romana? Ao contrário, agudaram décadas até convocar o Concilio de Trento, a que
se chama sintomaticamente de Contrarreforma, e que endureceu ao máximo as posições
autoritárias, dogmáticas e voltadas para o culto à personalidade do papa.da
Igreja Romana e do Vaticano. Sabemos que, na verdade, Jesus Cristo confiou a
unidade e continuidade de sua pregação e de seus discípulos a seus doze
apóstolos, e não exclusivamente a Pedro. Tanto que quem procurou centralizar
tudo e carregou Pedro para Roma foi São Paulo, que se atribuía uma sollicitudo
omnium ecclesiarum (solicitude por todas as comunidades cristãs) que passava
longe por cima de Pedro e de todos os demais apóstolos. Apesar de Paulo nem
sequer haver conhecido Cristo e convivido com ele. A partir do século 4º, o
Colégio Apostólico dos sucessores dos apóstolos foi anulado em benefício do
bispo de Roma. O que causou os cismas posteriores.
Se
Martinho Lutero não houvesse sido ignorado e anatematizado pela corte papal, quem
sabe não teríamos hoje tantas instituições que se intitulam cristãs e
evangélicas (não adotam mais o termo “protestante”, tão luterano e
característico dos protestos de muitos cristãos revoltados contra a venda de
indulgências e outros tenebrosos desvios do papado) e que, contudo, são apenas
instituições financeiras que vendem de tudo, inclusive aquelas indulgências que
tanto revoltaram Lutero e seus seguidores.
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Juracy
Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia
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