Por Marcelo Barros
Os votos de feliz ano novo que, nesses
dias, costumamos dar uns aos outros, dificilmente se tornarão reais, se o
Brasil não conseguir superar a crise social, política, econômica, ecológica e
cultural que o ameaça. Esperamos que
nesse ano que passou, nossa presidenta tenha aprendido que governo não é
instrumento musical que se pega com a mão esquerda e se toca com a direita. Quem
vem da esquerda e faz isso corre o risco de ser abandonada pela esquerda que a
apoiou. Ao mesmo tempo, mesmo com todos os seus agrados, não consegue
conquistar a direita que jamais aceita perder o poder.
No caso da elite
brasileira, por sua natureza, essencialmente, depredadora, sempre rejeitará
qualquer pessoa que vier de uma tradição mais popular. Mesmo sem ter muitas
perspectivas pela frente, os movimentos sociais e as pessoas mais conscientes
sabem que solução nenhuma virá do impedimento da presidente, nem da
substituição do governo por algum ato induzido de renúncia. Mesmo se a
presidente continuar incapaz de dialogar, as alternativas legais não parecem
melhores. Se quisermos mudanças reais para melhor, teremos de fazer um trabalho
imenso nesse ano novo. Uma luta maior do que a do pequeno Davi contra o gigante
Golias. No nosso caso, se trata de vencer os grandes meios de comunicação,
dominados pela elite. O Congresso Nacional é formado por uma maioria de parlamentares
que tiveram suas campanhas financiadas por grandes empresas. Eles só participarão
em um projeto de Brasil justo e verdadeiramente democrático se forem
pressionados pelos movimentos sociais e pelas manifestações de massa. É urgente
retomarmos a luta por uma verdadeira reforma política. Ela deveria ser feita
por uma Constituinte exclusiva e soberana, eleita para isso pelo povo. No
entanto, na atual conjuntura, isso é impossível.
Quando era possível, os
governantes do momento, seja Lula, seja Dilma, não deram o apoio necessário a
essa causa. Agora, só um milagre. Esse milagre é possível e depende de nós.
Temos de recomeçar o trabalho de formiguinha e ajudar a sociedade a se dar
conta de que o clamor do povo organizado será capaz de exigir as transformações
das quais o Brasil precisa.
Para esse 1o de janeiro de 2016, o papa
Francisco escolheu como tema para o 49o Dia Mundial da Paz o lema: “Vence a
indiferença e conquista a paz”. Se aplicarmos isso à realidade brasileira,
compreenderemos que temos de vencer a inércia e o acomodamento de quem pensa
que não pode mudar a situação e confiar novamente na força do povo organizado
que não tem poder de lei, mas pode fazer pressão e criar as condições para a
mudança que a tradição bíblica chama de paz, justiça e verdade.
O nosso voto de feliz ano novo não será o
do comércio que propõe prosperidade. Preferimos felicidade para todos . Ela nos
vem da promessa de um mundo novo e uma terra renovada. Essa palavra nos vem de
Deus. Como diz a Bíblia, é como uma espada de dois gumes que penetra até as
entranhas (Hb 4). “É como a chuva que cai, molha a terra. E não volta ao céu
sem ter cumprido sua missão de fecundar e produzir o grão” (Is 55). Desejar
feliz ano novo não garante força para transformar organizações e sistemas do
mundo. No entanto, podemos colaborar para que ocorram as condições necessárias
para as mudanças. Então, expresse para os seus e para todos o desejo de um
feliz ano novo que seja não apenas para os seus familiares e amigos e sim para
toda a humanidade. No Brasil, desejar feliz ano novo pede de nós um verdadeiro
compromisso social, solidário e renovador. Então se tornarão verdadeiras em sua
vida, as palavras de uma antiga bênção celta: “O vento sopre suave em teus ombros.
Que o sol brilhe suavemente sobre o teu rosto, as chuvas caiam serenas onde
vives. E até que eu te encontre de novo, Deus te guarde na palma de sua mão”.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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