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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O SACERDOTE ATEU

 


Prof. Martinho Condini

 

         No século XVIII um sacerdote católico francês, Jean Meslier (1664-1729) escreveu em seu testamento - que só foi descoberto após a sua morte - um tratado filosófico promovendo o ateísmo e um testamento onde ele denunciava a “falsidade e vaidade de todas as divindades e todas as religiões do mundo. Em seu livro “Extrait des sentiments” publicado pela primeira vez em 1762, ele escreveu a celebre frase “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.

         Na História brasileira desde a catástrofe chegada dos portugueses por aqui, no último ano de século XV até os nossos dias, podemos contar nos dedos às pessoas que merecem o nosso respeito e admiração. Seres humanos que de verdade influenciaram de maneira positiva na nossa história e que nos dão orgulho da nossa brasilidade.

         Estamos quase no final do primeiro quarto do século XXI, enfrentando uma das maiores crises no âmbito político, econômico, social, educacional e espiritual. Além de uma pandemia que já matou mais de 150 mil pessoas em solo brasileiro.

         E o que vimos até agora foram lideranças políticas cretinas utilizando-se de um problema de saúde pública sem precedentes na nossa história como instrumento de campanhas políticas ou com posturas esdrúxulas para não perder prestígio com seu eleitorado ou o seu gado.

         Às vezes me parece que uma parcela da sociedade brasileira perdeu a sua dignidade, seu discernimento sobre a realidade, muitas vezes em função das necessidades que o capitalismo neoliberal os impõe ou talvez pela influência da enxurrada de asneiras que essas  pessoas lêem nas redes sociais, e o pior, acreditam nas informações. Por isso talvez, se sujeitam ao comando de falsas lideranças insensatas, sem conteúdos e atitudes.

         No processo eleitoral brasileiro deste ano estamos ouvindo falas iguais as de mais de  trinta anos atrás, seja ela de direita ou de esquerda. Acrescentadas pelas novas formas de comunicação das redes sociais, que se aproveita muito pouco. E num país que não se tem o hábito da leitura, alguns preferem ler o whatssap ao invés de um livro ou uma boa matéria jornalística.

            O Estado continua exercendo o mesmo papel de sempre, legitimar os interesses da classe dominante.

          Não nos esqueçamos que a nossa elite não tem bandeira ideológica, tem sim, gana pela grana e o poder, por isso, está sempre atrelada a qualquer governo que vença uma eleição, para que ela possa perpetuar no comando do Estado.

         A classe política, a classe empresarial e o Estado brasileiro estão firmes em sua missão e papéis de paladinos dos interesses dos detentores dos meios de produção.

         Por tudo isso me lembrei do sacerdote Meslie. Será que não é chegada a hora de refletirmos sobre as palavras e propostas do sacerdote anarquista, como ficou conhecido?

         Não podemos mais suportar o joguete de partidecos políticos (direita reacionária, esquerda inconseqüente e centrão corrupto), religiões caça níqueis defensoras da teologia da prosperidade, judiciário de porta de cadeia, lideranças políticas nauseabundas e líderes religiosos inescrupulosos. Tudo isso sobre a lona de uma  democracia servil e  legitimadora da tirania do Estado e seus penduricalhos. 

         Quando o sacerdote Meslie, menciona o rei e o padre no século XVIII, ele se utiliza dessas duas figuras que representavam na época o poder, o autoritarismo, a força, a punição, a corrupção, o controle ideológico e religioso, a mentira, ou seja, a total ausência de liberdade.

         Hoje, supostamente temos a “liberdade” para escolhermos por quem seremos controlados: pelo Estado, pela Religião, pelo Capitalismo, pelo Socialismo, pela Escola, pelas Redes Sociais ou pelas Democracias Integristas.

          Infelizmente o espírito libertário e a utopia, engrenagens para a transformação social  estão se esvaecendo e sendo engolidos por uma neo modernidade liberal travestida onde predomina o individualismo, o retrocesso, a meritocracia e o reacionarismo.

 

O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com 

          

3 comentários:

  1. Fico pensando que ainda combatemos inimigos imaginários como Dom Quixote e os verdadeiros se escondem nas névoas da religião .Por isto precisamos urgentemente entender onde estão e quem são os inimigos para localizá-los ,combatê-los e vencê-los.

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  2. Sempre atual e lúcido professor! Parabéns!

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  3. O texto reflete o pessimismo que sentimos diante de nosso quadro político!

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