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sábado, 31 de julho de 2021

IGREJAS E PARTIDOS

Prof. Martinho Condini

 


        O  cantorcompositorinstrumentista e poeta Dorival Caymmi (1914-2008) certa vez contou em uma de suas belas músicas que “a Bahia tem trezentas e sessenta e cinco igrejas, e que na primeira ele foi batizado, na segunda crismado e na terceira ele se casaria com a mulher que ele quer bem”. Com essa letra ele faz alusão de que é possível a cada dia do ano entrar em uma igreja diferente na Bahia. Ele estava certo, mas há um detalhe, apenas na cidade de Salvador há trezentas e setenta e duas igrejas.

        Esses números demonstram a relação das famílias pertencentes à elite colonial baiana com a coroa portuguesa e o cristianismo católico.

        O motivo da lembrança desse número de igrejas em Salvador me ocorreu porque dia desses, passando pelos canais das emissoras de TV conectadas na minha televisão, constatei a existência de aproximadamente dezesseis programas religiosos. Todos transmitidos num mesmo horário. É difícil acreditar que haja algum outro lugar nesse mundo que ocorra um despropósito semelhante.

        Em sua maioria esses programas fazem apologia a “teologia da prosperidade” e a “auto-ajuda”, sempre de uma maneira apelativa e piegas.

        Os religiosos que apresentam os programas, em algum momento, relacionam o nome de Deus com a agência e conta bancária da igreja, e é claro, descaradamente pedem aos fiéis que realizem as suas doações. Dessa maneira alcançarão suas graças, garantirão seu pedacinho no paraíso e atingirão a prosperidade material que tanto almejam nesse mundo tão desigual do “capetalismo”.

        Será que há tantas igrejas falando coisas tão diferentes e importantes, para que tenhamos tantos programas religiosos assim? Ou é uma maneira de algumas pessoas acumularem  riqueza sem trabalhar? E aproveitar-se da boa fé dos fiéis?

        O que é preciso para abrir uma igreja no Brasil? Pelo que me consta, é necessário uma pessoa que receba o comissionamento e autorização de Deus, um espaço físico, algumas cadeiras de plástico ou bancos de madeira, pessoas dispostas a ouvi-la, um CNPJ e um estatuto.          Pronto! A empresa da fé e do lucro fácil está montada.

Acredito que há uma analogia entre a abertura dessas igrejas com a criação de alguns partidos políticos em nosso país. No Brasil são aproximadamente trinta partidos. Para serem abertos precisam cumprir algumas regras estabelecidas pela justiça eleitoral, que agora não vêm ao caso. A questão principal é: será que temos tantas ideologias assim a serem propagadas e defendidas? Ou o interesse está apenas no fundo partidário? Outra maneira de acumular riqueza sem trabalhar.

        Me parece que abrir igrejas e criar partidos políticos de aluguel no Brasil pode se tornar um bom negócio.

        Aí está, igrejas e partidos políticos, uma interessada no dízimo e o outro almejando o fundo partidário e apoio a qualquer liderança que esteja no poder para conceder cargos a esses partidos nanicos e às vezes não tão nanicos assim.

        Quero deixar bem claro que essa constatação não significa a minha defesa da extinção das igrejas e muito menos das representações partidárias, congresso nacional e a tão valiosa democracia. Mas sim, a extinção de igrejas que possuem “lideranças religiosas” que são na verdade “picaretas da fé” e o impedimento da criação de partidecos politiqueiros liderados por “coronéis” sem nenhum comprometimento ideológico.   

        Acredito que devemos estar atentos sim, aos embusteiros líderes dessas igrejas e aos lacaios fundadores de partidos de aluguel. Ambos, embusteiros e lacaios, são prejudiciais e nocivos a nossa sociedade. A história está nos provando isso! E como já dizia o poeta: “a história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue”.

        As igrejas e os partidos políticos tornam-se o ópio da sociedade a partir do momento em que  as pessoas se deixam levar por  instituições inescrupulosas.

        É preciso refletir dialeticamente sobre o que ouvimos, e perceber de verdade o que está por detrás das mensagens. As sociedades se organizam e se movimentam por meio das ideologias e da política, isso é inexorável. Por isso, o momento exige cautela, reflexão, diálogo e ação para sairmos dessa condição abjeta da nossa história. “Ninguém solta a mão de ninguém”, para que construamos um Brasil para todos. 

  

*  O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com 

 

Um comentário:

  1. De fato à ação dessas inúmeras igrejas, com o compromisso de apenas enriquecer seus dirigentes, devemos a eleição de figuras apoiadoras de Bolsonaro.

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