O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

segunda-feira, 31 de julho de 2023

MARIELLE FRANCO: O PODER DE UMA VIDA

 

 


     
Maria Clara Lucchetti Bingemer

 

Quem tem medo de Marielle Franco? Essa parece ser a pergunta que voltou a ressoar aos ouvidos do Brasil de hoje após um tempo longo demais de silêncio grávido e pesado. O estampido dos quatro tiros que interrompeu a vida da jovem vereadora do Rio de Janeiro e os três que atingiram seu motorista Anderson Gomes se faz ouvir novamente, perfurando desta vez os ouvidos moucos que insistiam em não escutar  afirmações que se iam impondo sempre mais fortemente sobre o caso cuja solução fora apenas parcial e incompleta.  

Agora surge nova narrativa que vem abrir outra parte de um cenário que se adivinhava, mas ao qual faltavam elementos para afirmar. E o depoimento promete, porque anuncia direções e pistas com as quais talvez não se contasse na difícil elucidação do caso, em suas raízes mais antigas, ou seja: as cabeças que decidiram o assassinato, arquitetado e minuciosamente planejado. 

Um ano depois do crime – portanto em 2019 -  a Polícia chegou a prender dois acusados de executar o crime.  São eles: o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio de Queiroz.  Ambos teriam envolvimento com grupos de milícia. Mas os mandantes não foram identificados até o presente momento.

No entender da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle, cinco anos é um tempo mais do que longo para elucidar um caso como este. Isso só demonstra como foi cuidadosamente arquitetado, planejado em todos os detalhes. A localização do crime, em uma rua escura e deserta; o horário, noturno e tardio; a não proteção das vítimas, que transitavam sem segurança e foram pegas de surpresa, segundo depoimento da assessora da vereadora Marielle, Fernanda Chaves. 

Depois do choque da notícia,  que provocou manifestações de indignação e protesto no Brasil e  no mundo inteiro,  as investigações correram sob sigilo.  Não se conseguia acompanhar o ritmo delas.  Os responsáveis pela condução do processo foram mudados uma e outra vez o que, junto com a experiência dos suspeitos presos – dois ex-policiais que sabem como se desenrola uma investigação – tornavam a apuração dos fatos ainda mais difícil. 

Recentemente, Elcio de Queiroz resolveu falar.  E seu depoimento espalhou suspeitas sobre vários personagens do mundo policial e político brasileiros que  indicam que ainda há muita investigação a fazer neste caso.  Mas é alentador ver que se está prosseguindo na tentativa de identificar todos os mandantes e o motivo do assassinato. A reparação de uma injustiça é sempre uma lufada de ar puro e purificador no horizonte da vida. 

Até aqui seria mais um caso de crime não solucionado como há tantos outros.  O que traz de diferente o fato de a investigação do assassinato de Marielle Franco estar novamente sob os holofotes e revelação de movimentos antes ignorados? 

Creio que a resposta está na própria pessoa de Marielle e de seu entorno: sua família, sua vida, seu testemunho, sua história.  A jovem vereadora de sorriso ensolarado e radiante é uma figura símbolo de inúmeras vítimas de injustiça em nosso país: mulher, negra, sexualidade na categoria de “diversidade sexual”.  Ao mesmo tempo é alguém que mesmo morta continua viva.  Viva pelo que é, pelo que fez e ainda faz.  Viva porque a morte não anulou seu poder de fazer vibrar corações e mobilizar consciências. 

Viva na história e brutalmente assassinada e empurrada prematuramente para fora da história.  Marielle continua viva em Deus.  Não significa que está viva “em outro plano” , não sendo mais por nada atingida e não alcançando nada mais  neste mundo.  Os vivos em Deus estão mais vivos que muitos que se consideram vivos e são nossos companheiros de existência.  E o poder de seu testemunho e legado é como um vento que movimenta a história e a faz tornar-se eloquente como nunca.  

Desde que novos fatos foram despejados pela boca de um dos suspeitos de seu assassinato, a história do Brasil espera, atenta e vigilante.  E aguarda que seja escrito um novo e fundamental capítulo de seu transcurso. 

 

            

-- 

Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de

 “Viver como crentes no mundo em mudança” (Editora Paulinas), entre outros livros.

 

 

Copyright 2023 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário