O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Sinodalidade e Caminhada Libertadora

 Marcelo Barros


 

Daqui a um mês, o papa Francisco completará dez anos como bispo de Roma e papa, ou seja, patriarca-primaz das Igrejas da comunhão católico-romana em todo o mundo. O que marca este aniversário é o seu convite para que toda a Igreja Católica se organize a partir da Sinodalidade.

De fato, a Sinodalidade foi a forma da Igreja se organizar durante os primeiros séculos. Ao convocar o Sínodo, o papa citou João Crisóstomo, que, no século IV afirmava: “Sinodalidade é o jeito normal de ser Igreja”.  

Etimologicamente, Sinodalidade significa “caminhar juntos”. No Brasil, desde 1970, estimuladas pela 2ª Conferência dos Bispos Latino-americanos,  várias Igrejas locais se abriram às comunidades eclesiais de base. Essas dioceses mais abertas sempre foram pluralistas. Contavam com grupos de tendências diversas, mas, as Cebs  influíram muito no seu modo de viver a missão. Essas Igrejas locais se tornaram conhecidas como “Igrejas da Caminhada”. Apesar de não se definirem como sinodais, viviam a Sinodalidade como “caminhada” de inserção no mundo social e político, a partir da Espiritualidade Ecumênica Libertadora.

O principal inimigo desta Sinodalidade a partir de baixo foi o próprio Vaticano, que, até que Francisco se tornasse bispo de Roma, não apoiou a Caminhada das Cebs e das dioceses que se organizaram a partir delas.  Até então, as Igrejas locais que se inseriram profeticamente na caminhada dos pobres sofreram perseguições e foram marginalizadas.

Atualmente, muitas dioceses e paróquias privilegiam como modo de viver a fé um devocionalismo barroco sentimental e pouco profundo. Em visita recente ao sul da Itália, o papa Francisco se referiu a esse gosto de muitos clérigos jovens como nostalgia do tempo de suas avós.

De fato, o projeto pastoral de muitas dioceses e paróquias é o retorno à Cristandade, ou seja, a uma Igreja centralizada, com hierarquia poderosa e influente. É um modelo de Igreja, claramente anti-sinodal, baseado na divisão entre sagrado e profano e centrado na exterioridade do culto e na rigidez de regras morais, imposta ao menos aos de fora.

Nesta, a maioria dos religiosos/as, padres e bispos acolhe a proposta da Sinodalidade, porque o papa mandou e nos ambientes eclesiásticos, é o assunto da moda. No entanto, não se deixam penetrar pelo espírito da Sinodalidade. Não querem viver uma Igreja sinodal.

A eclesiologia da Igreja local, proposta pelo Concílio Vaticano II, ao afirmar que cada Igreja particular é plenamente Igreja e não apenas filial de Roma ainda é pouco compreendida e aceita. Mesmo alguns setores abertos e ligados à caminhada dos pobres critica o clericalismo e o autoritarismo de Roma, mas o aceita, se este puder lhe ser favorável.

 A sinodalidade pede de nós superarmos o Direito Canônico e os argumentos de cúria.  Pretender Sinodalidade em Igreja clerical e baseada no poder hierárquico é querer tornar possível a quadratura do círculo.

A base do sistema de Cristandade é a fé em um Deus como Senhor todo-poderoso que legitima as estruturas injustas do mundo. Divide as pessoas em crentes e descrentes, santos e pecadores. É um deus narcisista que precisa ser agradado para salvar as almas. Conforme os evangelhos, Jesus combateu e denunciou este tipo de religião. Por isso, os sacerdotes do templo pediram ao governador romano para condená-lo à morte. 

Já no final do Concílio Vaticano II, ao assinarem o Pacto das Catacumbas, um grupo de bispos se comprometeu a romper com o modelo autoritário do poder e se tornarem pobres junto com os pobres, em uma Igreja servidora da humanidade. Há anos, o saudoso profeta Pedro Casaldáliga afirmava que a Igreja de Jesus Cristo não é democrática, porque tem de ir além da Democracia e ser Comunhão. A Sinodalidade não põe em questão a diversidade de ministérios. Reconhece e valoriza os carismas de coordenação eclesial, mas pede que se renuncie ao estilo de poder hierárquico que nada tem a ver com Jesus e o seu evangelho.

Esta proposta da Sinodalidade não diz respeito só internamente à Igreja. Caminhar juntos e suscitar estruturas participativas é desafio espiritual, mas também social e político para toda a sociedade. Mais do que em outras épocas, em vários países, a Democracia é posta à prova por grupos de elite e governantes que admiram o autoritarismo e elogiam ditaduras militares. Torna-se assim, ainda mais urgente o apelo do papa Francisco em sua carta-encíclica  Fratelli Tutti: o desafio de construir uma fraternidade universal que assegure Paz e Justiça eco-social para todos e todas, tendo a Vida em primeiro lugar.  Sob outros nomes e com outras designações, o projeto de Sinodalidade para as Igrejas pode e deve valer para toda a sociedade como caminho para um novo mundo possível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário