por Leonardo Boff
É estarrecedora a corrupção que
se constatou no Brasil nos últimos tempos, especialmente aquela revelada pela
Operação Lava Jato, vulgarmente chamada de “petrolão”, vale dizer, ligada a uma
das maiores petroleiras do mundo, a Petrobrás do Brasil. Os números são sempre
pelos milhões de dólares que escandalizam e vão além de qualquer bom senso,
mesmo entre ladrões e mafiosos.
Os organismos norte-americanos de
vigilância que espionaram a Presidenta Dilma, espionaram também a Petrobrás,
devido ao fato de deter uma das maiores jazidas de gás e petróleo do mundo, que
se encontra o Pre-Sal. Detectaram indícios de alta corrupção que estava
ocorrendo na empresa. Alertaram, então, as autoridades brasileiras que
iniciaram uma investigação. Encontraram uma teia imensa de corruptores e
corruptos que envolviam grandes empreiteiras, altos funcionários da Petrobrás,
gente do próprio Governo, doleiros e não ausentes setores do judiciário.
Beneficiados foram especialmente políticos de quase todos os partidos (e há
exceções louváveis) que financiavam suas custosas campanhas eleitorais com esse
dinheiro da corrupção, sob forma de propinas milionárias.
Desde o início, as investigações
que envolveram os principais órgãos da justiça e da polícia foram viciadas por
um componente político. Focalizou-se particularmente, um partido, o PT que
estava no poder e que seus opositores queriam, seja pela via legal da eleição
ou por qualquer outro expediente ao arrepio da normalidade democrática,
alijá-lo do poder. Os vazamentos, problemáticos em termos legais, praticamente
se concentraram no PT relevando e até ocultando o envolvimento de outros
partidos, máxime da oposição.
A partir daí se criou
praticamente uma generalização (de si injusta porque recobre membros corretos,
diria em sua grande maioria, nas bases partidárias dos municípios) de que
corrupção era coisa do PT. Importa reconhecer que o partido se beneficiou dos
esquemas de corrupção. Mas seria injusto considerar que detinha o monopólio da
corrupção. Essa é endêmica na vida política e social do país e perpassa
partidos e empresas e inclui muitíssimos cidadãos ricos seja sonegando altas
somas de impostos, seja escondendo grande parte de suas fortuna em bancos
estrangeiros ou um paraísos fiscais.
Raramente em nossa história
recente temos assistido grandes empresários sendo presos, interrogados,
condenados e encarcerados. A corrupção que se havia naturalizado nos mais altos
estratos dos negócios e da política começou a ser desmascarada e posta sob os
rigores da lei. Tal fato constitui um dado de altíssima relevância e um avanço
no sentido da moralidade pública.
Mas para sermos realistas e não
moralistas, não podemos reduzir a corrupção a este evento nefasto do “petrólão”
desvelado pela Operação Lava Jato.
Importa reconhecer o fato de que
o sistema do capital com sua cultura é em sua lógica também corrupto, embora
aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a dominação do capital sobre o
trabalho, gerando riqueza sob a forma de exploração do trabalhador e devastação
dos escassos bens e serviços da natureza. Produz uma dupla injustiça, uma
social e outra ecológica, esta última atualmente ameaçadora do equilíbrio do
sistema-Terra e do sistema-vida. Os juros dos bancos privados no Brasil são dos
mais altos do mundo e os ganhos, exorbitantes.
Thomas Piketty com o seu
“Capitalismo do século XX” deixou claro que lá onde entram relações
capitalistas logo surgem desigualdades que tensionam a sociedade e fragilizam a
democracia que supõe uma igualdade básica de todos face à lei e os direitos
garantidos com inclusão social.
As nossas formas de corrupção
possuem raízes históricas no colonialismo e no escravagismo, em si
violentos, que levavam as pessoas, para manterem um mínimo de liberdade, a
corromper-se e a corromper. Inventou-se o famoso “jeitinho”.
Há também uma base política no
arraigado patrimonialismo que não distingue o público do privado e leva as
elites a tratarem a coisa pública como se fosse sua e a montar um tipo de
Estado que lhes garante os privilégios.
Tudo isso gerou uma cultura da
corrupção, como algo natural e intrínseco à vida social e política. Os
corruptos são vistos como espertos e não como criminosos, o que de fato são. E
tanto ele quanto os corruptores contam com a impunidade.
Filosoficamente pensando, qual é
a raiz última da corrupção? Talvez o católico Lord Acton (1843-1902) que era
historiador e pensador, nos ajude. Diz ele, a corrupção reside fundamentalmente
no poder.Sempre citada é sua frase: ”o poder tem a tendência a se
corromper e o absoluto poder corrompe absolutamente”. E acrescentava:”meu dogma
é a geral maldade dos homens portadores de autoridade; são os que mais se
corrompem”.
A tradição filosófica e
psicanalítica nos tem persuadido de que em todos os seres humanos há notória
sede de poder. O poder não pode se garantir senão buscando ainda mais poder. E
o poder se materializa sob muitas formas, no status, na busca de títulos mas
principalmente no dinheiro. Quanto mais dinheiro, mais poder.
Para consegui-lo não vale só o
trabalho honesto mas todas as formas perversas que permitem multiplicar o
dinheiro, quer dizer, assegurar mais e mais poder. É o caminho da corrupção,
especialmente delapidando o bem publico, utilizando-se dos aparelhos do Estado.
A história mostra a ilusão desta
pretensão. De repente pode-se perder tudo e ficar na miséria. Se a pessoa não
puser sob controle a sua sede de poder e de acumulação, é castigada com o
pesadelo de sentir-se perdida e sem chão.
O antidoto a essa sede de poder e
de dinheiro, a nível pessoal é a honestidade, a transparência e a salvaguarda
do valor sagrado da auto-dignidade. A nível político pelo sistema de controle e
vigilância que todo o Estado deve ter. Porque ambos não se verificam de
forma adequada os corruptos campeiam impunes mas se revelam desprezíveis
e, finalmente, se tornam infelizes.
Será que saberemos tirar essas
lições da corrupção naturalizada no Brasil e que finalmente foi desmascarada em
parte pela Operação Lava Jato?
Leonardo Boff é articulista do
Jornal do Brasil on line e escritor
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