Por Marcelo Barros
No Brasil e em toda a América do
Sul, várias Igrejas cristãs dedicam essa semana à oração e ao trabalho pela
unidade das Igrejas e pelo diálogo entre as religiões. A iniciativa de propor
uma Semana de orações pela unidade dos cristãos nasceu em 1898. O papa Leão
XIII propôs que a oração pela unidade das Igrejas fosse o tema principal da novena
do Espírito Santo que, a cada ano, se faz em preparação à festa de Pentecostes
que os cristãos celebram no próximo domingo. Orar pela unidade é importante
porque, como a unidade verdadeira é dom divino, para vivê-la, precisamos nos
colocar disponíveis ao Espírito de Deus e lhe pedir essa graça.
Em 1964, todos os bispos católicos
reunidos no Concílio Vaticano II afirmaram que a divisão é contrária à vontade
de Cristo. É consequência e expressão do pecado humano (U. R. 1). O caminho
para reconstituir a unidade é um trabalho de conversão de todos, cristãos das
mais diversas Igrejas, a Jesus Cristo e ao seu projeto de amor e justiça. Essa
unidade não se fará como uniformidade institucional e sim no respeito à diversidade
e autonomia das Igrejas.
Nesse ano, os subsídios de oração e
reflexão para a Semana da Unidade foi elaborado por uma comissão ecumênica da
Letônia, no norte da Europa. O tema proposto vem da carta de Pedro:
“Chamados/as a proclamar os altos feitos do Senhor” (1 Pd 2, 9). Esse texto nos
recorda que todos/as são chamados/as a ser povo de Deus, isso é, uma só
comunidade de pessoas de várias raças e origens, chamadas a viver a aliança de
intimidade divina na relação uns com os
outros.
Essa Semana de Orações pela Unidade
pode ser vivida, principalmente pelos católicos, como expressão do jubileu da
misericórdia. Não se trata apenas de uma atitude de piedade em relação a quem é
carente. A palavra misericórdia deriva dos termos latinos misereor (tenho
compaixão) cordis (a partir do coração). Portanto, é “a solidariedade que vem
do coração”. É um movimento dinâmico que envolve todo o ser e a comunidade na
direção de quem precisa. É urgente lembrar isso no mundo atual que, cada vez
mais, discrimina e exclui pessoas. Milhões
de migrantes tentam escapar da fome ou da guerra e são impedidos de entrar nas
fronteiras dos países ricos, muitos dos quais, responsáveis diretos pela
situação que provoca a migração. E muitos dos que se recusam acolher os
migrantes se dizem cristãos. Por isso, o tema dessa Semana da Unidade de 2016
nos faz retomar a raiz da nossa vocação de discípulos/as de Jesus: Somos
chamados/as a proclamar, ou seja, testemunhar, por palavras e ações “os altos
feitos” do Senhor. Isso significa que, na
base do nosso caminho humano não estão qualidades pessoais ou identidades
nacionais, menos ainda riquezas ou diferenças raciais. Somos cristãos por
termos sido beneficiados pelos “altos feitos do Senhor”. Deus nos chamou gratuitamente
a nos unir em um só povo, sinal do seu amor misericordioso por toda a
humanidade e pelo universo.
A nossa oração deve ser sempre
ligada à prática da vida. A Semana da Unidade é principalmente constituída de
oração em comum, mas supõe também gestos de unidade em relação a irmãos de
outras Igrejas e religiões. No domingo 17 de janeiro, antes de abrir a Semana
da Unidade em Roma, o papa Francisco fez uma visita à Sinagoga de Roma para
expressar a sua comunhão com a comunidade judaica. Menos de um mês depois,
encontrou Alexis II, patriarca de Moscou. Depois de muitas dificuldades entre a
Igreja Católica e a Ortodoxa Russa, pela primeira vez, um patriarca de Moscou
aceitava se encontrar com o papa de Roma. Para isso, o patriarca pedia que o
encontro ocorresse em um lugar neutro e que a declaração comum fosse preparada
por seus assessores. O papa Francisco cedeu em tudo o que era necessário para
que o encontro ocorresse. Em sua viagem ao México, criou uma escala em Cuba só
para encontrar o patriarca. Aceitou que o encontro se desse não em uma Igreja e
sim no aeroporto de Havana. Tudo para abraçar o patriarca e chamá-lo
sinceramente de “meu irmão”. No sábado 16 de abril, o papa se juntou a
Bartolomeu I, patriarca de Constantinopla, para visitar e apoiar os milhares de
migrantes e refugiados, impedidos de entrar na Europa e colocados, em um campo
de concentração na ilha de Lesbos, na Grécia.
Nesse ano de 2016, em que seis
Igrejas cristãs do Brasil (cinco membros do CONIC e a Aliança de Batistas do
Brasil), assim como diversas entidades ecumênicas se reuniram para a 4a
Campanha da Fraternidade Ecumênica - sobre o Saneamento Básico e o cuidado com
a Terra, nossa casa comum, nós, cristãos de todas as Igrejas, essa Semana da
Unidade prolonga e aprofunda esse caminho em comum. O cuidado com a casa comum
e essa Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos nos colocam no caminho da
misericórdia divina que recebemos e que devemos testemunhar e expressar aos
outros irmãos. O texto bíblico que fundamenta o tema dessa semana se conclui
por lembrar a misericórdia divina: “Vós sois o povo que Deus conquistou para
si, para que proclameis os altos feitos daquele que das trevas vos chamou para
sua luz maravilhosa. ... Vós que não tínheis alcançado misericórdia, agora
alcançastes misericórdia” (1 Pd 2, 9- 10).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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