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segunda-feira, 9 de maio de 2016

DANIEL BERRIGAN: FILHO DE DEUS

por Maria Clara Lucchetti Bingemer



     No sábado, quando ainda os judeus mantinham acesas as velas e os cristãos se preparavam para celebrar no domingo o Dia do Senhor, chegou a notícia da morte de um bem-aventurado.  Pois não foi o próprio Jesus de Nazaré que proclamou bem-aventurados os que constroem a paz porque serão chamados filhos de Deus?  O padre Daniel Berrigan foi alguém que deu cada minuto de sua vida por essa paz em que acreditava fiel e criativamente.

            Padre jesuíta, ativista antiguerra e poeta, Daniel Berrigan destacou-se quando, juntamente com seu irmão Philip, também padre naquela época, fez protestos ativos contra a guerra do Vietnam.  Como todos os outros ativistas que se posicionaram contra aquele conflito sem sentido que ceifava a vida de milhões de jovens e civis inocentes, isto lhe valeu admiração por parte de alguns e oposição por parte de outros. Mas nada o fazia parar.  E ele continuou.
        Porém, o que mais lhe valeu a primeira página da grande imprensa e os holofotes do país e do mundo foi o episódio chamado Catonsville Nine.  Ele, seu irmão Philip e mais sete ativistas católicos retiraram 378 arquivos de seleção de alistamento de civis para a guerra do Vietnam em Catonsville, no estado de Maryland, levaram para o estacionamento em cestas de arame, jogaram napalm sobre eles e os incendiaram.

    Este episódio o incluiu imediatamente na lista dos “mais procurados” do FBI e levou-o ao mesmo tempo à capa da revista Time e à prisão.  Ironicamente, ele desculpou-se por haver queimado “papeis em lugar de crianças”. A síntese única de sua personalidade, feita de militância e radical espiritualidade a serviço da justiça social e política, figurou entre as táticas de resistência à guerra do Vietnam nos Estados Unidos.

       O inquieto jesuíta era, além disso, um prolífico escritor e talentoso poeta. Tem mais de 50 livros publicados sobre teologia, espiritualidade, não violência.   Seus escritos, com uma clara marca militante, continham também uma sólida teologia.  E essa teologia era fulgurantemente cristocêntrica.  O pensamento, a reflexão, os ensinamentos e os retiros e jornadas de espiritualidade que padre Danny dava giravam em torno de Jesus e seu evangelho.  Toda a sua atividade não violenta pela paz igualmente.

            Através de seu ativismo e escrita, deixava muito claro que esta consistência em seu pensar e seu agir significavam uma declarada oposição à “cultura da morte” com relação a coisas diversas como a guerra, a pena de morte, a eutanásia, a pobreza e o aborto.

          Suas amizades eram muitas e de alta qualidade.  Foi interlocutor de grandes figuras do século XX, como Dorothy Day, Thomas Merton, entre outros.
            Mais para o final de sua vida, Berrigan continuava escrevendo e vivia sua atividade pacifista através de seu discípulo, o também jesuíta John Dear, que até hoje continua realizando ações não violentas em protesto à política violenta de seu país e em favor da paz.  O velho Daniel passou a ocupar-se de questões de espiritualidade, escrevia e falava sobre a oração, dava retiros e orientava pessoas.  Também acompanhava de perto doentes de AIDS e soro positivos, tratando de dar-lhes esperança.

        Quando de seu julgamento pelo episódio de Catonsville Nine, fez um pronunciamento inesquecível, que resume bem o legado que nos deixa: “A única mensagem que tenho para o mundo é esta: não temos permissão para matar pessoas inocentes.  Não temos permissão para ser cúmplices de assassinatos.  Não temos permissão para silenciar, enquanto se fazem preparações para assassinatos em massa em nosso nome, com nosso dinheiro, secretamente... É terrível para mim viver em um tempo em que não tenho nada para dizer aos seres humanos exceto “parem de matar”. Há outras coisas bonitas que eu adoraria estar dizendo às pessoas.  Há outros projetos nos quais eu poderia ajudar muito.  E não posso realizá-los.  Eu não posso. Porque tudo está em perigo.  Tudo é cobiçado.  Nossa situação é um tanto primitiva, mesmo se nos consideramos sofisticados.  Nosso objetivo é primitivo desde um ponto de vista cristão.  Estamos de volta ao ponto de onde começamos.  Não matarás; não temos a permissão de matar.  Tudo hoje se resume a isso – tudo.“

            Agora ele descansa em paz.  Nessa paz pela qual tanto lutou.  Apesar da impressão de fracasso que sentiu quanto aos objetivos pelos quais lutou, certamente hoje o mundo está um pouco menos violento devido à sua passagem entre nós. E as novas gerações terão sempre em sua pessoa uma referência inspiradora e produtora de esperança.

  Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ. A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão" (Edusc) 


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