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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

MANUAL DE NATAÇÃO



Por Frei Betto

       Para quem não sabe nadar e se interessa em aprender, não basta ler o manual de natação. Ao passar à prática o risco de se afogar é inevitável.

       Isso vale para a vida de oração. Não bastam lições de catecismo ou teologia, ler textos religiosos ou frequentar a igreja. Oração, como natação, se aprende na prática. É o recurso mais apropriado para se cultivar a espiritualidade.

       Nós, cristãos ocidentais, somos cartesianamente muito conceituais. Falamos de Deus, sobre Deus, com Deus, mas não deixamos Deus falar em nós. Somos como a minha tia que, no telefone, tanto falava que nem se dava conta de que minha mãe de vez em quando largava o fone para conferir as panelas no fogão.

       Para que serve a oração? Para o coração embeber-se da presença divina, dilatar a nossa capacidade de amar e aprofundar a fé. Jesus orava. Passava longas horas em oração, até mesmo a noite inteira, como registra Lucas (6,12; 9,18; 18,1). Isso derruba a ideia herética e, no entanto, tão frequente, de que Jesus não tinha fé como nós temos. Ele inclusive passou por crises de fé (Marcos 15, 34).

       Há muitas formas de oração. Algumas religiosas, como culto ou missa, canto, ofício divino, rosário ou terço, recitação dos salmos, romarias ou peregrinações. E há as que transcendem a esfera religiosa, como a meditação e a contemplação.

       Meditar é como aprender a nadar ou andar de bicicleta. Para quem não sabe, são tarefas arriscadas, perigosas. Depois que se aprende, faz-se sem pensar.

       Devemos estar bem conscientes de que a mente egocêntrica não é capaz de entrar no mundo da meditação. Medita-se com o coração, não com a razão; com o inconsciente, não com o consciente; com o não pensar, não com o pensar. Assim, de condutor se passa à condição de conduzido.

       Há que perder a mania de querer tudo controlar através da mente. É preciso despojar-se dela. Calá-la. Virá-la pelo avesso. Fechar olhos e boca da mente, tão gulosa e soberana. Quanto mais se consegue cegá-la, mais se vê a luz. A mente é capaz de apreender a física da luz. Não a própria luz – esta, só a meditação capta.

       Meditar é mergulhar no mar. Não posso possuir ou reter o oceano. Mas posso banhar-me nele, deixar que me envolva, embale e carregue em suas ondas. Ao ser capaz desse mergulho começo a meditar.

       O mar está sempre lá. Eu é que devo dar os passos em sua direção. Ele jamais se afasta de mim; está pronto a me receber. Mas devo livrar-me das roupagens que tanto pesam em meu ser. Quanto menos, mais leveza dentro da água.

       Entro no mar. Mal sei nadar. De repente, percebo que já não dá pé. É quando se inicia a meditação. O ego sente que já não tem apoio. A força da água que me envolve é maior que a minha capacidade de caminhar dentro dela.

       Quanto mais fundo penetro no mar, mais água me envolve. Quanto mais mergulho, maior a profundidade que alcanço. Em torno de mim, do lado direito e do esquerdo, acima da cabeça e abaixo dos pés, tudo é oceano.

       Eis a meditação. Porém, se uma ideia furtiva ou preocupação me atira na praia, não devo me inquietar. Basta retornar à água. É infinito o oceano da meditação.

       A meditação dilata a nossa capacidade de abrir-se ao amor de Deus e amar o próximo. E nos induz a não dar importância ao que não tem importância, livrando-nos de sofrimentos inúteis.

       Nos evangelhos não consta o termo meditação. Mas tudo indica que Jesus meditava. Se ele tanto insistiu para não multiplicarmos as palavras na oração, e passava noites cultivando a sua vida espiritual, é de se supor que meditava. Deixava-se impregnar da presença amorosa do Espírito de Deus. Descentrava-se de si para centrar-se na natureza, no próximo e em Deus.

       Para quem tem interesse em aprofundar a vida de oração, o primeiro passo consiste em reservar tempo para isso, como fazemos para as refeições e dormir. Para se tornar efetiva a oração, precisa ser afetiva. Comum união (comunhão) de amor.

       Oração que não resulta em misericórdia, tolerância, serviço aos necessitados e defesa intransigente dos direitos humanos é mero palavrório carente de conteúdo e sentido. É tomar o santo nome de Deus em vão. Pois “nem todo aquele que diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino de Deus, e sim quem faz a vontade de meu Pai” (Mateus 7, 21).

Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Fontanar), entre outros livros.
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Maria Helena Guimarães Pereira
MHP Agente Literária - Assessoria
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