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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ANO NOVO, VIDA NOVA


 por Frei Betto

       Estamos à porta de 2018. E o que fizemos de nós mesmos em 2017?

       Há em nós abissal distância entre o que somos e queremos ser. Um apetite de Absoluto e a consciência aguda de nossa finitude. Olhamos para trás: a infância que resta na memória com sabor de paraíso perdido; a adolescência tecida em sonhos e utopias; os propósitos altruístas.

       Hoje, o salário apertado num país tão caro; os filhos, sem projeto, apegados à casa e ao consumismo; os apetrechos eletrônicos que perenizam a criança que ainda resta em nós.

       Em volta, a violência da paisagem urbana e nossa dificuldade de conectar efeitos e causas. Como se os infratores fossem cogumelos espontâneos, e não frutos do darwinismo econômico que segrega a maioria pobre e favorece a minoria abastada. O mesmo executivo que teme assalto e brada contra bandidos, abastece o crime consumindo drogas.

       Ano novo. Vida nova? Depende. Podemos continuar a nos empanturrar de carnes e doces, encharcados em bebidas alcoólicas, como se a alegria saísse do forno e a felicidade viesse engarrafada. Ou a opção de um momento de silêncio, um gesto litúrgico, uma oração, a efusão de espíritos em abraços afetuosos.

       No fundo da garganta, um travo. Vontade de remar contra a corrente e, enquanto tantos celebram a pós-modernidade, pedir colo a Deus e resgatar boas coisas: uma oração em família, a leitura espiritual, a solidão orante, o gesto solidário que ameniza a dor de um enfermo.

       Reencontrar, no ano que se inicia, a própria humanidade. Despir-nos do lobo voraz que, na arena competitiva do mercado, nos faz estranhos a nós mesmos. Por que acelerar tanto, se temos que parar no sinal vermelho? Por que tanta dependência do celular e dificuldade de dialogar olho no olho?

       Ano novo de eleições. Olhemos o país. As obras que beneficiam empreiteiras trazem proveito à maioria da população? Melhoram o transporte público, o serviço de saúde, a rede educacional? Nosso bairro tem um bom sistema sanitário, as ruas são limpas, existem áreas de lazer? Participamos do debate sobre a reforma da Previdência? Os políticos em quem votamos tiveram desempenho satisfatório? Prestaram contas do mandato?

       Em política, tolerância é cumplicidade com maracutaias. Voto é delegação e, na verdadeira democracia, governa o povo por meio de seus representantes e de mobilizações diretas junto ao poder público. Quanto mais cidadania, mais democracia.

       Ano de nova qualidade de vida. De menos ansiedade e mais profundidade. Aceitar a proposta de Jesus a Nicodemos: nascer de novo. Mergulhar em si, abrir espaço à presença do Inefável. Braços e corações abertos também ao semelhante. Recriar-se e apropriar-se da realidade circundante, livre da pasteurização que nos massifica na mediocridade bovina de quem rumina hábitos mesquinhos, como se a vida fosse uma janela da qual contemplamos, noite após noite, a realidade desfilar nos ilusórios devaneios de uma telenovela.

       Feliz homem novo. Feliz mulher nova.
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Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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