Por Marcelo Barros
O Natal não é uma festa única. O Papai Noel do Capitalismo nada
tem a ver com o Natal de Jesus Cristo. O Capitalismo é cruel e discriminatório.
Torna-se responsável pelo sofrimento e morte de milhões de pessoas. No entanto,
apesar de tudo, a tradição do Natal acaba unindo famílias e promovendo um
ambiente positivo de confraternização humana.
Mesmo nas Igrejas e comunidades cristãs, embora o Natal seja
sempre memória do nascimento de Jesus, o conteúdo das devoções populares não
parece a mesma celebração da liturgia. Existem modos de celebrar o Natal que parecem mera regressão a uma religiosidade
infantil do Menino Jesus, com cânticos românticos e belos, mas sem relação com
a vida e o mundo. Diferentemente disso, a liturgia cristã do Natal fala da
expectativa do reino de Deus e da manifestação da vinda do Cristo. Celebra as
festas natalícias para renovar nas pessoas o compromisso de testemunhar a
presença do divino no humano. Como no século V, pregava o papa São Leão: O Filho de Deus se fez humano para que todo
ser humano se torne divino.
Cremos que Jesus de Nazaré é o Cristo, isso é, o Ungido, enviado
de Deus para renovar a humanidade e o universo. Em suas cartas, o apóstolo
Paulo tinha praticamente dito isso do Cristo Ressuscitado: “Ele sujeitará a si todas as coisas. Tudo o
que existe no universo tem sua subsistência nele (no Cristo). Ele recapitula
tudo o que existe” (Col 1, 15 – 22). Sua ressurreição inaugurou uma “criação nova” como parto de um universo
reconciliado consigo mesmo, com o Espírito que atua em todos os seres e com a
humanidade que deve ser guardiã e cuidadora da mãe Terra, das águas e da Vida (Gl
6, 2 e 2 Cor 5, 14 ss). toda a criação. Assim sendo, o seu Espírito renova a
natureza inteira.
Por isso, a festa do Natal não pode ser simples aniversário
do nascimento de Jesus. No século IV, essa festa foi colocada no 25 de
dezembro, porque nessa data, os antigos romanos celebravam o solstício do
inverno. No lugar de celebrar o sol invencível que renasce da escuridão do
inverno, os cristãos quiseram lembrar que o Cristo é o sol da justiça que vem
do alto para renovar nossas vidas. Nos primeiros tempos, o nome oficial da
festa do Natal era “A Páscoa do novo
Nascimento do Cristo”. Assim, os antigos cristãos afirmavam que o Natal
celebra uma manifestação nova do Cristo Ressuscitado. Apesar de que o nosso mundo
parece cada vez mais doente e dividido, celebramos a confiança de que a
manifestação do Cristo Cósmico venha salvar a nós e ao universo.
Nesses dias, as comunidades judaicas celebraram Hanuká, a
festa das Luzes. Antigamente, nesses dias, se acendiam as lâmpadas do templo de
Jerusalém, para trazer luz à escuridão do inverno. Agora, o templo de Deus é o
universo. As luzes de Hanuká se acendem nas casas judaicas para que iluminem o
coração de todas as pessoas de boa vontade afim de libertar o mundo da escuridão do desamor e da
indiferença.
Na Amazônia, o povo Yanomami tenta escutar de novo os Xamãs
que fazem ressuscitar os cânticos dos Xariris, espíritos da floresta que é viva,
embora ferida pelas queimadas dos grandes fazendeiros, pelas máquinas dos
garimpeiros e das grandes mineradoras.
É importante que as comunidades cristãs que, nesses dias, preparam
a festa do Natal, liguem a celebração do Natal com o cuidado da terra, da água
e de toda a natureza. Hoje, o universo é o verdadeiro presépio do Cristo
Cósmico. Embora de forma ainda invisível, ele vem, hoje a esse mundo. A liturgia dessa
última semana antes do Natal invoca Jesus como Salvador para o mundo de hoje.
Com sua profunda formação litúrgica e grande sensibilidade artística, Reginaldo
Veloso traduziu de forma adaptada as grandes invocações do Advento, comumente
chamadas de Antífonas Ó. Cada dia, nova invocação chama o Cristo Ressuscitado.
No primeiro dia, ele é invocado como Mistério
e no dia seguinte, Libertação. A
partir do dia 17, é a Semana Santa do Natal e o Cristo é invocado como Sabedoria. Assim, as invocações
continuam. Em um dia, a Igreja o contempla como nova Sarça Ardente, na qual Deus se revela aos Moisés de hoje. No outro,
Chave de Davi, Rei das Nações e assim
por diante. Finalmente, ele é chamado de
Emanuel, presença divina no meio de
nós. Todos os dias, a versão das comunidades conclui sempre com um refrão que, durante nove
dias, canta: “Vem, ó filho de Maria, vem
trazer-nos alegria. Quanta sede, quanta espera, quando chega, quando chega
aquele dia?”
MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor.
Tem 44 livros publicados, dos quais “O Espírito vem pelas
Águas", Ed. Rede da Paz e Loyola. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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