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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Helder Camara e a atualidade da sua profecia

 

Marcelo Barros


 

Quanto mais a situação social e política se apresenta complexa e difícil, mais a fé suscita manifestações da profecia para assegurar que o projeto divino é de transformar essa realidade. Nesse contexto, neste 07 de fevereiro, recordamos os 113 anos do nascimento do profeta Helder Camara no Ceará, enquanto no sul do Brasil, o povo celebra o martírio do cacique Sepé Tiaraju e a destruição da República Guarani pelos exércitos de Portugal e Espanha (1756).

Quem crê deve atuar para que esse mundo se transforme de acordo com o projeto divino de paz, justiça e comunhão com a Terra e a natureza. Até hoje, a profecia de Helder Camara nos convoca: "Deus deu ao ser humano o poder e a responsabilidade de não se conformar com o sofrimento e com a dor do inocente, mas de combater o mal e a injustiça. Esta é a tarefa de todos nós”.

Para crentes e não crentes, é urgente recordar quatro elementos desta profecia:

1 - Qualquer ser humano só pode ser verdadeiramente feliz no dia em que o mundo for um só e justo para todos. Desde que Dom Hélder peregrinou pelo mundo todo afirmando esta profecia da inclusão, o mundo piorou muito. As injustiças se agravaram, fazendo com que os países do norte triplicassem sua riqueza, enquanto o sul explorado e roubado afunda na fome e na miséria.

Os Estados Unidos e a Europa Ocidental erguem novos muros de discriminação e isolamento do mundo dos pobres. Dentro de nosso próprio país, a diferença entre pobres e ricos tem se agravado. É, então, urgente nos pronunciar sobre o grito que ele nos repete ainda hoje: "Nenhuma felicidade pode basear-se na infelicidade dos outros, porque ofenderia o sentido de justiça que diz respeito a todos".

2 – Cada vez mais soa atual o apelo de Helder Camara para nos constituirmos como "minorias abraâmicas" O mundo não mudará pela ação isolada de líderes esclarecidos e sim pelo empenho comunitário de grupos de resistência e de profecia que se consagrem a transformar o mundo a partir de uma profunda convicção de fé no ser humano e na vida. Estes grupos que não precisam ser multidões e podem mesmo ser minoritários na sociedade (Dom Hélder os chamava minorias abraâmicas) são fecundos fermentos de uma humanidade nova. Só neste caminho de humanização, tem sentido falar em fé cristã para as pessoas que querem crer e viver o Evangelho.

3 - O compromisso com a Paz e a não-violência A transformação do mundo começa pelo nosso compromisso com a Paz, através de um método de vida que elimine qualquer violência em nossa forma de ser e de agir. Dom Hélder vivia isso profundamente. Sempre conviveu com pessoas que discordavam de seu pensamento e nunca os agrediu ou se valeu do fato de ser arcebispo para removê-los de suas paróquias ou cargos eclesiais. Mas, sua opção pela não-violência não o levava a ser menos forte na defesa da justiça. Sempre apoiou e defendeu os lavradores sem-terra que continuam indefesos em sua caminhada e incompreendidos em sua causa. O cuidado com a Paz e a não-violência era também sua forma de viver as relações humanas na Igreja e no seu ministério de pastor. É preciso que, ao celebrar agora a sua memória, nos sintamos convocados/as de novo para este mutirão de esperança e solidariedade tão urgente no mundo.

Não pode ser coincidência que neste mesmo dia, recordemos a resistência do povo Guarani que, junto aos outros povos originários, depois de todo esse tempo, continua a recordar ao mundo a profecia da Terra sem Males. Estamos juntos nesse caminho.

 

  Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.br  

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