O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

POSSE E TRANSCENDÊNCIA

Frei Aloísio Fragoso


     Estive presente na terceira posse de Lula. Lembrar este acontecimento como um simples registro histórico já valeria pelos 6 anos de espera e o preço de ansiedades que paguei por isso. No entanto, gostaria de expressar o que senti sem ver, o que transcende os fatos, a sua transfiguração. Algo semelhante ao que deve ter sentido o velho Simeão, segundo narra o evangelista Lucas. Quando Maria apresentou o Menino Jesus no templo, em obediência ao costume da época, ele tomou a Criança nos braços e exclamou: "agora, Senhor, pode despedir teu servo em paz, pois os meus olhos viram a salvação do meu povo" Lc.2,15-30.

     Depois de tudo o que vi e ouvi em Brasília, no dia primeiro de janeiro de 2023, já me dou por bem vivido e com direito a partir em paz.

     Dias antes de viajar, fui advertido por alguns amigos: "traga capa de chuva, aqui em Brasília está chovendo todos os dias". Deu-se o contrário do previsto. No dia da posse o sol brilhou desde a manhã até a noite e nenhum pingo de chuva caíu na cidade. Mera coincidência, dirão muitos. Eu digo o que senti e juro que foi algo transcendental. Senti o efeito mágico de 300 000 vozes cantando em uníssono "o sol da liberdade em raios fúlgidos brilhou no céu da pátria nesse instante".

     O mar vermelho da cor predominante transmutou-se de imagem de um Partido político para a simbologia do sangue, sangue real de corações, veias e lutas, cor do martírio de heróis  anônimos, do sacrifício cotidiano de um povo, sem o qual as cores da bandeira nacional esmaecem e viram ideologia neo-facista.

     Os gritos ininterruptos de "olê, olê, olá" soavam como ecos  de uma orquestra ensaiada em quatro anos de ansiosa espera e sofrida militância. 

     Desde o dia em que decidi participar desta posse, andei reprimindo uma sensação de medo, frente ao noticiário cotidiano de ameaças e violências. Esta sensação só cresceu logo que nosso avião aterrissou na Capital Federal e um grupo de passageiros se pôs a cantar "olê, olê, olê, olá, Lulá...." Contudo, no dia seguinte, a partir do momento em que nos acomodamos na Esplanada dos Ministérios e uma multidão incontável aglomerou-se em nossa volta, dissolveu-se o medo, naturalmente, como uma nuvem se dissolve, até desaparecer por completo. Nenhum sinal de tensão, somente emoção, alegria, expontaneidade. Nenhuma medida de segurança é capaz de impedir uma ação terrorista bem planejada. Só consigo entender este fenômeno como resultante de um energia coletiva, sublimada pela Fé, nutrida pela consciência do seu protagonismo histórico e projetada miticamente sobre a  pessoa de Lula.

     A culminância desta experiência mística veio em forma de surpresa, nos seus momentos finais: Lula subindo a rampa do Planalto, acompanhado por personagens representativos da população brasileira ( um índio, um negro, um deficiente físico, uma catadora de lixo, um operário de fábrica, uma trabalhadora doméstica, um professor universitário), sob o delírio e lágrimas da multidão. Foram estes os escolhidos para cumprir o rito solene de passar a faixa presidencial. E decerto o mundo inteiro entendeu o seu significado: era das mãos do povo que Luís Inácio Lula da Silva recebia o direito de governar a nação.

     No dia seguinte, reunimo-nos em um pequeno grupo para uma avaliação e partilha. Não conseguimos descrever verbalmente o que presenciamos. Abraços e lágrimas substituiram as palavras. Mas será perenemente inesquecível  o sentimento de que vivenciamos um capítulo transcendental da História do Brasil.


Brasília, 02/01/2023

Nenhum comentário:

Postar um comentário