Frei Betto
Platão,
na República, sonhou com uma cidade-modelo governada por
filósofos, homens competentes por dominarem o mais refinado saber. Assim,
reforçou a ideia de que a competência política e administrativa estaria
associada à formação intelectual. Filhos da plebe não seriam pessoas indicadas
para o poder.
O
próprio Platão aceitou o convite de Díon para ser o conselheiro de seu
sobrinho, o jovem Dionísio, que por volta de 367 a.C. herdou o reino de
Siracusa, na Sicília. O apreço pelos livros não livrou o governante da suspeita
de que Díon e Platão conspiravam contra ele. Envaidecido de seu saber, baniu
Díon da corte e manteve Platão sob vigilância até que retornasse a
Atenas.
Em
361 a.C., Dionísio convidou o filósofo a voltar a Siracusa. Platão resistiu,
mas Díon alegou que o rei demonstrava um gosto verdadeiro pela filosofia.
Platão rumou para a Sicília, onde esforçou-se para que Dionísio anistiasse o
tio, permitindo que retornasse do exílio. Inabalável, o rei confiscou os bens
de Díon e reteve o filósofo em Siracusa.
Após
um ano, Platão, decepcionado com a obtusidade de seu discípulo, conseguiu
deixar o reino e, em Olímpia, por ocasião dos famosos jogos, reencontrou Díon,
a quem narrou suas desventuras. Díon decidiu vingar-se de seu sobrinho e, após
entrar clandestinamente em Siracusa, apoderou-se do palácio de Dionísio. Uma
vez no poder, aquele a quem Platão depositava a esperança de afirmar-se como
político-filósofo, revelou-se um governante autoritário. Sua prepotência
superava a inteligência. Morreu assassinado por seu amigo Calipo, que o ajudara
a ocupar o trono.
Decepcionado,
aos 75 anos Platão convenceu-se de que a política é capaz de corromper os
homens mais cultos, pois a ética não é necessariamente filha do saber, nem a
competência administrativa resulta da bibliografia consumida. Dedicou-se, então,
a escrever sua última obra, as Leis, onde trata da
institucionalidade política e das normas que devem reger a convivência dos
cidadãos. Preferiu confiar nas estruturas democráticas que na retórica dos
governantes.
O
Brasil, desde Cabral, sempre foi governado por nobres e doutores, generais e
diplomados, sem que houvesse competência para impedir a crescente miséria e
evitar a perda de nossa soberania. Hoje, impressiona quando se diz que um
homem público é Ph.D. A abreviação significa "doutor
em filosofia", ainda que ele seja formado em economia ou direito. É um
tributo a Platão essa suposição de que o título de doutor torna a pessoa mais
sábia. Ledo engano, infelizmente. A sabedoria reside no coração, onde são
cultivadas as virtudes e os valores. E, felizmente, Lula veio quebrar
o paradigma.
Frei Betto
é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre
outros livros. Livraria virtual: freibetto.org
Frei Betto é autor de 77 livros
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