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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

HONRA E GLÓRIA A DOM PAULO EVARISTO ARNS. O GENERAL-DITADOR ERNESTO GEISEL O DETESTAVA.


 por Juracy Andrade




O Brasil contou e conta com bispos e padres que honram a fé cristã e a tradição apostólica. Nos tempos coloniais e imperiais, o clero era composto por funcionários do governo, como ainda ocorre hoje na Argentina. No Império, os bispos tinham que ser chancelados pelo monarca; era o padroado. Com a República, teoricamente instalou-se o Estado laico, com separação entre Igreja e Estado, embora as autoridades eclesiásticas tenham demorado um bocado a aceitar o novo padrão de relacionamento. Acostumadas ao quase monopólio religioso anterior, lutaram por manter os antigos privilégios inconscientes de que é muito melhor para a Igreja o regime de separação. Os bispos continuaram usando o título aristocrático de “Dom”. Lá para os anos 1950, com a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e durante a ditadura 1964-85, quando inúmeros bispos defenderam os direitos humanos e enfrentaram bravamente os golpistas, a aceitação do novo status consolidou-se. E é dentro desse contexto que se agiganta a figura do recentemente falecido cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que foi arcebispo de São Paulo de 1970 a 1998. Mal visto pelo Vaticano pré-Francisco, foi castigado pelo fatiamento de sua arquidiocese, que quase ficou restrita à Praça da Sé. Mas ele sabia que estava seguindo e pregando o Evangelho e foi em frente.

O bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino, que foi seu auxiliar na arquidiocese, assim resumiu o pastorado de Dom Paulo: “Ele é descendente de alemães, mas o rosto dele é da periferia de São Paulo. Quando imagino Dom Paulo, eu o imagino com o cheiro do povo, misturado aos bispos, padres, religiosos, leigos e leigas, anunciando a urgência de resistirmos contra toda mentira”. Em tempos conturbados, de uma ditadura cruel e abjeta (os golpistas não representavam, como no atual golpe contra as instituições, a população), que autorizava prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos, Dom Paulo resolveu denunciar e enfrentar tudo isso. Os golpistas não ousaram prender nem matar bispos como ele, Dom Helder, Dom José Maria Pires e tantos outros, mas torturaram e mataram padres como Antônio Henrique, muito próximo a Dom Helder, torturaram religiosos e fizeram o mesmo com muitos leigos católicos.

Em 1972, a CNBB lançou o chamado Documento de Brodósqui denunciando ao país e ao mundo as prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos da ditadura, que tinham como vítimas a turma que optara pela luta armada e também simples opositores da ditadura. Dom Paulo foi um dos grandes responsáveis pelo texto da Igreja. Quando o jornalista Vladimir Herzog foi torturado e morto em instalações do DOI-Codi, foi ele também que organizou um ato ecumênico, que incluía missa na Sé de São Paulo, que os paulistas chamam de “catedral da Sé”, como se sé (sedes) e catedral (cathedra) não fossem a mesma coisa. Cerca de 7 mil pessoas se fizeram presentes. Além de católicos, judeus, como o rabino Sobel, e protestantes, como o reverendo Wright, com toda a região cercada por soldados do Exército e atiradores de elite.

Foi um dos líderes e promotores da Teologia da Libertação e suas comunidades eclesiais de base (CEBs). Quando a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, chefiada pelo cardeal Ratzinger, que mais tarde seria o papa Bento 16, hoje renunciante, perseguiu o teólogo brasileiro Leonardo Boff, Dom Paulo estava lá no recinto inquisitorial para defender seu companheiro franciscano, que mais tarde voltou á vida de leigo. Ironicamente, ainda convidou o inquisidor para “visitar as CEBs no Brasil e rezar com o povo”. Como não poderia deixar de ser, aquele que ontem combatia a ditadura civil-militar hoje se volta contra o golpe pseudoinstitucional de Temer. Cito novamente Dom Angélico: “Naquele tempo, a luta era contra a ditadura civil-militar, mas a resistência a que ele nos convida deve ser permanente no Brasil atual também”.

Finalizo com palavras do jornalista Mino Carta, diretor da revista Carta Capital: “Com Dom Paulo se vai um extraordinário pastor de almas e de vida e um grande brasileiro, um dos nossos raros heróis. Não sou católico praticante e ele, com quem mantive uma sólida amizade, feita de respeito, admiração e muito carinho, jamais cuidou de me mudar. Sabia haver muitas formas de ser cristão”.
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Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia.

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