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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

FÉRIAS CONTEMPLATIVAS

por Maria Clara Lucchetti Bingemer




Janeiro chegou e com ele as férias escolares, que comandam não apenas o calendário das instituições de ensino, mas a vida de uma boa parcela da população. E mais uma vez, aquilo que deveria ser repouso, se torna um frenético ir e vir, com agências de viagens abarrotadas, aeroportos e rodoviárias cheias, hotéis lotados.

A cultura das sensações e satisfações imediatas na qual vivemosmergulhados roubou inclusive nosso tempo e ­ o que é mais grave ­ nossa capacidade de repousar, descansar, relaxar. Ao estresse do tempo de trabalho e estudo, agregou-se o das férias, onde é absolutamente imprescindível fazer programas incessantes, viajar cansativamente para lugares longínquos. Atrás, arrastadas e impacientes, crianças entediadas, assediando sem parar os pais a fim de comprar, consumir, gastar o dinheiro que podem e não podem, adquirindo objetos, souvenires, brindes e gadgets para os quais provavelmente nunca mais vão olhar.

A volta ao lar trará consigo o sabor algo amargo da frustração doinvestimento hercúleo em um programa que, afinal, não valeu tanto a pena. A sensação de encontrar-se tão ou mais cansado do que no dia da partida e com a conta bancária reduzida a quase zero deixará no ar uma pergunta incômoda, mas inevitável: mas afinal, não se consegue descansar nem nas férias?

Diabolicamente engenhosa, a sociedade em que vivemos roubou até mesmo nossa capacidade de descanso gratuito. Porque é disso que se trata quando se fala em férias, repouso, lazer, retempero de forças e energias. A máquina do consumo quer colocar-nos em movimento custe o que custar. E o faz, não menos exaustivamente porque em contexto ou situação diferente. E como seres humanos, vamos sendo reduzidos a meros consumidores, em radical ruptura de aliança com a criação da qual fazemos parte.

O tempo de férias seria ­ se tal nos fosse permitido pelo frenesi em que vivemos ­ ideal para recuperar a relação com a criação da qual somos parte. Não para dominá-la ou instrumentalizá-la, como o fazem ­ com nossa cumplicidade ­ as indústrias de turismo e as cadeias de hotelaria. Mas para colocar-se, modesta e maravilhadamente, na escola do amor que olha, vê com respeito, contempla e entra em diálogo e comunicação.

O mundo assim por nós contemplado se tornará, então, surpreendentemente diáfano e transparente da presença divina, desdobrando seus mistérios e encantos diante de nosso humano olhar purificado de toda voracidade instrumentalizadora e tornado capaz de adoração. Nele, criaturas humanas que somos, nos sentiremos chamados a descobrir nosso lugar, que é de aliança e comunhão com a totalidade do cosmos.

Re-adquirir, portanto, um olhar contemplativo, extasiado, permitiria ver no mundo e em todos os seres viventes a marca comum de criaturas de Deus. Revelaria a criação como divina morada de Deus e do ser humano. E poderia ser, enfim, um bom programa para nossas próximas férias. Assim, quem sabe voltaríamos ao trabalho renovados e purificados do muito que o cotidiano nos tem esmagado com sua implacável exigência e frenético ritmo.

         Mas, sobretudo, talvez aprendêssemos um pouco mais quem somos: não máquinas de produzir e consumir, mas pessoas criadas, em nada superiores aos outros seres, concidadãos humildemente "posteriores" de uma comunidade de seres vivos que nos antecedeu em seu emergir das mãos do Criador.

    Talvez, além de tudo isso, este tempo de repouso ainda nos ensinasse mais sobre quem é esse Criador que, desde sua eternidade, nos desejou e inseriu no tempo e na história, a fim de "transformar a terra", mas também e não menos louvar e alegrar-se com as maravilhas que nos circundam. Aí sentiríamos que a coroa da criação de Deus não é o homem, mas sim o sábado, festa celebrativa e gratuita do Criador e do criado. Essas, sim, poderiam ser férias realmente "sabáticas" e contemplativas.

Maria Clara Lucchetti Bingemer é  professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ.   A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 
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