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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

A GRAVIDEZ E A ESPERA



 Por Maria Clara Lucchetti Bingemer

            Nada de mais humano existe do que uma mulher grávida.  E, no entanto, nada mais divino.  Aquelas de nós que já fizeram essa experiência sabem a que me refiro. Trata-se de estar habitada e esperar ao fio dos dias e das horas que essa “in-habitação” chegue a termo e derrame seu fruto em outro espaço: o mundo. 

            Andando pela rua podemos ver os ventres crescidos das mulheres habitadas.  Primeiro é algo invisível e quase insensível.  Há sinais: os seios mais escuros, os enjoos quando os há, a sensação de estar “diferente”.  Mas a forma no início ainda é apenas visível pela alta tecnologia das ultrassonografias. De uma certa maneira é um tempo mais de fé do que de certeza.

 Depois essa fé vai tomando vulto e se convertendo em certeza ao ritmo do crescimento do hóspede no seio materno. O “outro” que habita o corpo da mulher faz sentir sua presença com movimentos, cambalhotas, chutes, socos. Pode ser visto pelas lentes do ultrassom chupando o dedo, abrindo os olhos, estirando-se e espreguiçando-se.

À mãe resta esperar e acompanhar. Sentir em si mesma essa alteridade que é si mesma, mas, no entanto, tão diferente.  Sentir e esperar que cresça, que chegue a termo.  Sentir e esperar a hora.  Quando as contrações chegam, o corpo se abre e se parte, e o parto acontece.  O choro rompe o silêncio e anuncia sua presença única e desejada.

Estamos acostumados a pensar no Natal como uma festa solene e sobrenatural.  Ela o é. Mas o que nela se celebra é o termo de uma gravidez.  É o fato inaudito de que na plenitude dos tempos Deus haja enviado ao mundo seu filho nascido de mulher.  O tempo do Natal que ora vivemos é o tempo de acompanhamento, espera e diálogo com o ventre grávido e os seios túrgidos de uma jovem mulher – Maria de Nazaré da Galileia – que se prepara para dar à luz um filho. 

Por que a solenidade?  Por que os sinos, as velas, o incenso?  Se a cada momento, em cada esquina, em cada casa, há uma mulher que esperou por nove meses a criança querida que um dia chegou, nasceu e chorou, o que há de extraordinário nesse tão ordinário fato de uma gravidez e uma espera que deverá ter o mesmo desfecho de milhares, milhões ao redor do mundo?

O extraordinário está justamente no ordinário.  Está no fato de que o Senhor do Tempo e da História, o Criador do mundo com tudo que ele contém esteja vindo ao nosso encontro pelo ventre de uma mulher como todo ser humano nascido nesta terra. O Verbo que existia desde antes da Criação, que estava diante de Deus e que era Deus disse sua primeira palavra entre nós.  E foi um choro de recém-nascido. O Verbo se fez carne e habitou entre nós e a primeira manifestação de sua glória foi um choro de criança que só quer mamar e estar acalentado no colo da mãe. 

Aquele que habitava o ventre de Maria e mamou em seu peito passou a habitar o mundo.  Aprendeu a caminhar, a falar, a comunicar-se. Sentiu fome, frio.  Cresceu em graça e sabedoria.  E quando se manifestou aos seus contemporâneos, estes disseram: “Ninguém jamais falou como este homem”. E acrescentaram, perplexos: “Mas não é ele o filho do carpinteiro?  Não se chama sua mãe Maria? “

Sim, ela se chama Maria.  E o mistério de seu ventre grávido e seu corpo habitado continua acontecendo hoje como há 2000 anos atrás.  Às vezes é gravidez de risco.  Outras, o parto se dá no chão de um hospital porque não há leito disponível.  Como outrora no estábulo e entre os animais, o menino deve nascer sobre ladrilho e cimento, sem ninguém para ajudar por perto, contando apenas com a própria mãe para fazê-lo emitir o grito primal, o choro libertador que anuncia a vida. 

Não é por isso algo menos extraordinário, menos divino, menos misterioso.  Uma mulher está grávida e espera um filho.  É a humanidade que acolhe novamente este dom inaudito da vida que se reproduz e multiplica.  É o Advento de um novo ser que rompe as paredes do útero e aporta na luz e no ruído do mundo.  

É Natal. Nosso olhar se dirige a essa mulher.  É muito mais importante que o Papai Noel, que a árvore, que os presentes, que a ceia.  É a maternidade, é o milagre da vida acontecendo de novo.  É a carne humana habitada pelo Espírito de Deus.  Isto é o Natal: a festa da vida frágil e desprotegida que chora.  É a celebração da gravidez e da espera. Cheia de graça. Habitada pelo Verbo.  Ave Maria. 

Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus),  entre outros livros.
  
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