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segunda-feira, 18 de abril de 2011

BRASILEIRINHOS

por MARIA CLARA BINGEMER



Infelizmente não se trata do belo chorinho de Waldir Azevedo. Nem de nada que a isso se assemelhe. A não ser o vocábulo “choro”, que na obra de Waldir significa graça, molejo e dança ritmada. Mas no triste assunto que aqui nos ocupa, “choro” quer dizer pranto desesperado, dor inconsolável de famílias inteiras e legiões de amigos. Na verdade, de toda uma cidade, um país. “Choro” era o que embargava a voz da presidente Dilma Rousseff ao se referir às jovens vítimas do ataque de Realengo: brasileirinhos. Pequenos, jovens, indefesos cidadãos retirados da vida tão cedo. A morte dos 12 adolescentes – crianças ensaiando o rito de passagem para a idade adulta - provocada pela fúria desenfreada de um psicopata na escola Tasso da Silveira, em Realengo, Rio de Janeiro, passará à história como um dos episódios mais dilacerantes que a cidade já viveu. Começou cedo naquela manhã. Ligava-se a televisão e lá estava. O espetáculo era desolador e macabro. Policiais tentando conter pais, parentes e amigos dos alunos da escola com um inútil cordão de isolamento. E a tragédia acontecida minutos, horas antes, ainda sem explicação. E as mães, com olhar esgazeado, queriam informação sobre onde estavam seus filhos. De suas gargantas saía aquela voz deformada pela dor que quer saber e ao mesmo tempo não quer. Dos 12 mortos, dez eram meninas. Bonitas, cabelos longos, graciosas e charmosas. Estreando a feminilidade, vivendo os primeiros amores. O assassino mirou suas faces, o centro de sua beleza. Queria desfigurá-las, destruí-las. O reconhecimento dos corpos pelos pais era difícil. Dor sobre dor aconteceu no IML. A carta deixada pelo assassino permite entrever traumas profundíssimos, um psiquismo absolutamente tenebroso, onde o único lampejo de afeto se dirige à mãe adotiva junto à qual pede para ser enterrado. Estaria na morte da mãe a raiz do seu aparente ódio pelo outro sexo? Ou nos retorcidos e obscuros elementos religiosos relativos a purezas e toques deixados no seu testamento? Não importa agora. Ao menos não importa tanto quanto o fato de que um desequilibrado conseguiu levar armas e munição abundantes para perpetrar seu bárbaro crime. Mais: aparelhos sofisticados para acelerar a recarga das armas que pretendia descarregar integralmente sobre suas vítimas. No passado recente de Wellington Menezes, uma solidão sempre mais profunda, um isolamento em uma casa distante do bairro onde cresceu e da escola onde estudou. Barba longa cortada poucos dias antes do crime. Horas e horas na internet e na TV. Sua doença ia crescendo, tornando-se mais e mais grave, até explodir na matança caótica do último dia 7 de abril. A tentativa de rastrear as armas com as quais matou as 12 crianças e feriu outras tantas identificou uma pessoa de quem uma delas fora roubada. Como Wellington a terá obtido? E a farta munição que carregava em sua mochila e usou para atirar a torto e a direito, matando e ferindo? Isso é o que importa saber. Não tanto para expô-lo à execração pública. Não tanto para morbidamente fazer as famílias já tão golpeadas reviverem a tragédia que para sempre marcará suas vidas. Mas sim para retomar uma discussão que o Brasil espera e necessita e que foi interrompida em 2005. O plebiscito do desarmamento, acontecido há seis anos, levava consigo uma consistente esperança de que a liberação da compra de armas fosse abolida no país. Muitas pessoas, grupos e instituições que lutam pela paz fizeram campanha, se empenharam. Mas o resultado foi uma derrota fragorosa nas urnas. Ganhou o lobby da indústria armamentista, venceu o medo de pessoas que ainda creem que estão mais seguras contra a violência possuindo armas que multiplicam e perpetram a mesma violência que temem, apesar de todas as explicações e provas em contrário. No entanto, a tragédia de Realengo tem que trazer de volta a discussão e gerar um novo referendo. Não é possível que armas trafeguem livremente pelas mãos de assassinos, doentes perversos, ceifando vidas e destruindo o futuro da cidade e da nação. Retomar a luta pelo desarmamento é, a partir da última quinta feira, obrigação de todo brasileiro. A memória dos 12 brasileirinhos vitimados em Realengo é um instigante convite a fazer isso rápida e decididamente.


Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco). Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

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