Por Marcelo Barros
O Dia das Mães é considerado pelo comércio a festa mais
importante do ano, logo depois do Natal. É claro que essa importância é medida
pelo volume de vendas nesses dias. De fato, embora em datas diferentes, quase
todos os países têm um “dia das mães”. Mesmo em tempos mais duros, na Cuba
socialista, descobri que todo filho procurava comprar algum presente para a sua
mãe.
De fato, em uma sociedade em que as famílias são obrigadas a
se dispersar para sobreviver, certamente, é bom ter um dia em que os filhos e
filhas voltam à casa para conviver e expressar seu amor pela figura da mãe.
No contexto brasileiro, cada vez mais é frequente encontrar
mães que assumem sozinhas a responsabilidade de criar e educar seus filhos. Recentemente,
o papa Francisco afirmou: “Mães solteiras não são menos mães. Toda mãe é mãe e
é o que basta”. Em nossas periferias, em muitos casos, as famílias são
governadas pelas mães e a presença masculina é quase só de passagem. E, em
geral, as mães assumem essa tarefa com muita dignidade e competência.
Infelizmente, nas situações de desumanidade, em meio a
população de rua e de forte degradação social, tem sido cada vez mais comum
encontrar jovens mães dependentes de crack que não conseguem dar leite e
alimento algum a seus filhos recém-nascidos ou pequenos. Em muitos casos, a
tragédia é que, ao sentir-se angustiadas com o choro das crianças famintas, elas
colocam na mamadeira um pouco da droga para dopá-los. São casos nos quais o
vício consegue vencer o instinto do amor maternal. Isso também tem ocorrido em situações
limites de violência e até de morte que têm sido notícia nacional. É difícil
imaginar que uma mãe chegue ao ponto de
matar seu próprio filho ainda criança.
É possível ler isso como casos monstruosos e pessoais, mas
certamente merece uma leitura mais estrutural da sociedade, na qual isso
ocorre. Afinal, toda planta tem frutos, mas só se conhece bem sua natureza
quando se estudam as raízes. A função materna supõe uma sociedade que não
destrói a família e não corrompe as relações reduzindo tudo ao dinheiro ou à
mercantilização das pessoas.
Nesses próximos dias, o 13 de maio nos lembra o
acontecimento que a história oficial chama de “abolição da escravatura”. Esse
nome é ambíguo porque todos sabemos que a Lei Áurea jogou milhares de famílias
negras na rua, sem nenhuma indenização ou possibilidade de sobrevivência digna.
Durante os longos séculos da escravidão oficial e mesmo depois, no sistema
social que escraviza as pessoas sem assumir que o faz, a figura da mãe negra é
quase a imagem de uma mártir sofredora. Ela dá a sua vida por seus filhos e garante
às novas gerações de pobres o milagre da sobrevivência e a permanente busca da
dignidade humana.
Nesse sentido, o dia das mães poderia ser uma data não
apenas para dar presente às nossas mães, mas para possibilitar que o carisma
maternal possa ser vivido por todas as mulheres que são mães, independentemente
de sua classe social e de seus recursos humanos.
Nas tradições espirituais, toda mãe é uma parábola viva do
amor divino e do comportamento que cada ser humano deveria desenvolver.
Conforme a tradição budista, cinco séculos antes de Cristo, no famoso sermão de
Benarés, Sidharta Guatama, o Buda,
afirmou: “Todo ser humano deve olhar o seu semelhante como uma mãe carinhosa e
cheia de ternura vê o próprio filho ou filha que carrega em seu útero”.
Na Bíblia, escrita em uma sociedade de cultura patriarcal, a
imagem mais comum da divindade é a de um pai bondoso que vela pela vida de seus
filhos e filhas. No entanto, diversas vezes, os profetas falaram de Deus como
mãe que cuida carinhosamente de nós. E Isaías chega a nos dizer como palavra de
Deus: “Poderia uma mãe esquecer ou abandonar o seu próprio filho? Do mesmo
modo, eu jamais deixarei de cuidar carinhosamente de vocês” (Is 45).
No Evangelho, Jesus diz
a seus conterrâneos: “Assim como uma mãe galinha junta seus pintinhos debaixo
das asas, eu quis reunir vocês” (Lc 13, 34). E, conforme o quarto evangelho, no
seu discurso de despedida pascal, afirmou: “Quando uma mulher está para dar a
luz sofre porque chegou a sua hora, mas depois que dá a luz fica contente por
ter dado ao mundo uma pessoa nova. Assim também eu verei vocês de novo e aí a
alegria de vocês será perfeita” (Jo 16, 21 ss). Assim ele compara sua
manifestação à comunidade como ressuscitado a um parto que gera vida nova.
Assim, ele fez de toda mãe uma imagem profética da sua ressurreição e de vida
nova para toda a humanidade e o universo.
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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