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quarta-feira, 7 de maio de 2014

UMA LINHA DE MONTAGEM DE SANTOS NO VATICANO



Por Juracy Andrade


     De santo carimbado pelo Vaticano já estamos fartos. Nos últimos anos, a canonização de santos do agrado desse ou daquele papa tomou rumos aberrantes. João Paulo 2º, responsável por um grande e grave retrocesso na volta da Igreja a suas origens apostólicas, entre outras aberrações, canonizou figuras no mínimo estranhas. Por exemplo, Josemaría Escrivá de Belaguer, fascistoide, franquista e fundador do polêmico Opus Dei; o italiano Frei Pio de Pietrelcina, franciscano, acusado de fraudes e vida irregular; centenas de colonos lusitanos massacrados por holandeses no Rio Grande do Norte. Outra calamidade é a proteção do papa polonês ao padre mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo e acusado, com provas, de ter abusado sexualmente de seminaristas e ser viciado em drogas, entre outras “manifestações de santidade”. Esse costume de reconhecer pessoas oficialmente como santas, dignas das honras dos altares, foi inventado aí pelo século 11. Lembremos que esse costume de altares e santos colocados em altares não tem nada a ver com o cristianismo primitivo. Você não vê nenhum altar nem santo nas catacumbas de Roma, por exemplo (só os colocados depois).

     O papa Francisco, que tanto tem feito avançar a Igreja de Cristo, encontrou vários processos de canonização em andamento e, certamente por estar tão atarefado, não teve tempo para dar um freio de arrumação nesse tão estranho costume de carimbar santos ou supostos como tais com a chancela burocrática do Vaticano. Já canonizou até o Padre Anchieta, colonialista e verdugo amador de hereges. Acaba de canonizar seus predecessores João 23 e João Paulo 2º, dando, como frisa Frei Betto, uma no cravo a outra na ferradura. Já que o papa polonês Wojtyla vinha sendo empurrado atabalhoadamente para os altares pela viúva Cúria Romana, ele decidiu canonizar também aquele que, à revelia da Cúria, convocou o Concílio dos anos 1960, que iniciou um processo de profunda renovação eclesial, abruptamente freado principalmente por João Paulo 2º e Bento 16. É justamente o Hermano Francisco que lhe dá agora novo impulso e vigor.

     Essa linha de montagem de santos muito contribui para um maior afastamento, em vez de aproximação, dos cristãos ortodoxos e de outros dissidentes do romanismo. Também o acréscimo de novos dogmas aos proclamados pelos concílios realizados até o cisma do século 11, que dividiu a Igreja de Cristo entre Roma e Constantinopla. Seguindo a lógica tortuosa e alheia à vontade de Jesus Cristo da mistura entre Igreja e Império Romano, uma vez que o Império se dividira entre Roma e Constantinopla, era forçoso que houvesse também dois papas. O papa de Roma já se proclamara proprietário da Igreja, em detrimento do pastoreio do Colégio Apostólico. A pretexto de filigranas teológicas, reforçadas pela insistência de Roma em ter uma ampla jurisdição sobre todas as igrejas do mundo, foi-se ampliando o fosso entre o papa de Roma e o patriarca de Constantinopla.

     Sendo patriarca Miguel Cerulário, o papa enviou a Constantinopla um legado em 1054 depois de as igrejas latinas na capital do Império do Oriente terem sido fechadas. Sem acordo. Seguiram-se excomunhões mútuas entre Roma e Constantinopla e a coisa azedou de vez com o saque de Constantinopla, em 1204, pela 4ª Cruzada, com 55 anos de imposição de Roma ao Oriente. Assim mesmo, houve tentativas de reconciliação nos concílios de Lyon a Florença, frustradas. Em 1453, os turcos, maometanos, tomaram Constantinopla iniciando o longo Império Otomano. As excomunhões mútuas só foram levandas em 1965 pelo papa Paulo 6º e o patriarca Atenágoras. Brigar é fácil. Difícil, no contexto de poder e confusão entre religião e Estado, é a união tão desejada pelo nosso Mestre Jesus.


Juracy Andrade é jornalista com formação em filosofia e teologia

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