Por Juracy Andrade
De santo carimbado pelo Vaticano já
estamos fartos. Nos últimos anos, a canonização de santos do agrado desse ou
daquele papa tomou rumos aberrantes. João Paulo 2º, responsável por um grande e
grave retrocesso na volta da Igreja a suas origens apostólicas, entre outras
aberrações, canonizou figuras no mínimo estranhas. Por exemplo, Josemaría Escrivá
de Belaguer, fascistoide, franquista e fundador do polêmico Opus Dei; o
italiano Frei Pio de Pietrelcina, franciscano, acusado de fraudes e vida
irregular; centenas de colonos lusitanos massacrados por holandeses no Rio
Grande do Norte. Outra calamidade é a proteção do papa polonês ao padre
mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo e acusado, com
provas, de ter abusado sexualmente de seminaristas e ser viciado em drogas,
entre outras “manifestações de santidade”. Esse costume de reconhecer pessoas
oficialmente como santas, dignas das honras dos altares, foi inventado aí pelo
século 11. Lembremos que esse costume de altares e santos colocados em altares
não tem nada a ver com o cristianismo primitivo. Você não vê nenhum altar nem
santo nas catacumbas de Roma, por exemplo (só os colocados depois).
O papa Francisco, que tanto tem feito
avançar a Igreja de Cristo, encontrou vários processos de canonização em
andamento e, certamente por estar tão atarefado, não teve tempo para dar um
freio de arrumação nesse tão estranho costume de carimbar santos ou supostos
como tais com a chancela burocrática do Vaticano. Já canonizou até o Padre
Anchieta, colonialista e verdugo amador de hereges. Acaba de canonizar seus predecessores
João 23 e João Paulo 2º, dando, como frisa Frei Betto, uma no cravo a outra na
ferradura. Já que o papa polonês Wojtyla vinha sendo empurrado atabalhoadamente
para os altares pela viúva Cúria Romana, ele decidiu canonizar também aquele
que, à revelia da Cúria, convocou o Concílio dos anos 1960, que iniciou um
processo de profunda renovação eclesial, abruptamente freado principalmente por
João Paulo 2º e Bento 16. É justamente o Hermano Francisco que lhe dá agora
novo impulso e vigor.
Essa linha de montagem de santos muito
contribui para um maior afastamento, em vez de aproximação, dos cristãos
ortodoxos e de outros dissidentes do romanismo. Também o acréscimo de novos
dogmas aos proclamados pelos concílios realizados até o cisma do século 11, que
dividiu a Igreja de Cristo entre Roma e Constantinopla. Seguindo a lógica
tortuosa e alheia à vontade de Jesus Cristo da mistura entre Igreja e Império
Romano, uma vez que o Império se dividira entre Roma e Constantinopla, era
forçoso que houvesse também dois papas. O papa de Roma já se proclamara
proprietário da Igreja, em detrimento do pastoreio do Colégio Apostólico. A
pretexto de filigranas teológicas, reforçadas pela insistência de Roma em ter
uma ampla jurisdição sobre todas as igrejas do mundo, foi-se ampliando o fosso
entre o papa de Roma e o patriarca de Constantinopla.
Sendo patriarca Miguel Cerulário, o papa
enviou a Constantinopla um legado em 1054 depois de as igrejas latinas na
capital do Império do Oriente terem sido fechadas. Sem acordo. Seguiram-se
excomunhões mútuas entre Roma e Constantinopla e a coisa azedou de vez com o
saque de Constantinopla, em 1204, pela 4ª Cruzada, com 55 anos de imposição de
Roma ao Oriente. Assim mesmo, houve tentativas de reconciliação nos concílios
de Lyon a Florença, frustradas. Em 1453, os turcos, maometanos, tomaram
Constantinopla iniciando o longo Império Otomano. As excomunhões mútuas só
foram levandas em 1965 pelo papa Paulo 6º e o patriarca Atenágoras. Brigar é
fácil. Difícil, no contexto de poder e confusão entre religião e Estado, é a
união tão desejada pelo nosso Mestre Jesus.
Juracy Andrade é
jornalista com formação em filosofia e teologia
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