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domingo, 13 de dezembro de 2020

NATAL EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (2)

 



Frei Aloísio Fragoso

 

    Em um sábado qualquer do mês  de nissan,  Jesus entrou na sinagoga de Nazaré, na Galiléia. Abriu a Sagrada Escritura e leu o texto de Is. 61,1-2: "Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, curar os corações feridos, proclamar a liberdade dos escravos, por em liberdade os prisioneiros e promulgar o ano da graça de Javé".

     A seguir fitou os presentes e declarou: "hoje se cumpre esta passagem que acabamos de ouvir" Lc.4,21.

     Surpreendidos com suas palavras, seus conterrâneos reagiram dizendo: "não é este o filho do carpinteiro José? De onde lhe vem toda esta sabedoria?"  Lc. 4,22. E não acreditaram nele.

     Eles precisavam de um Messias, deslumbrante, glorioso, poderoso, triunfante. Um Messias capaz de livrá-los do medo e do jugo de Roma, da Assíria, da Babilônia, das grandes potências. Capaz de restaurar o reinado do rei David e iniciar o processo de vingança e domínio. Esta figura postada ali, diante  diante de seus olhos, filho de carpinteiro,  nada tinha a ver com suas expectativas de 400 anos.

     E o expulsaram da aldeia . Cfr. Lc.4,29

     Passados mais de dois milênios, esta mentalidade permanece viva e influente.

     Faltam poucos dias para o Natal. Acendem-se novamente os letreiros luminosos com o nome de Jesus. Para os que crêem reacende-se um antigo e renovado desejo: "Queremos ver Jesus". Onde podemos encontrá-Lo?  Nos lugares  em que se expõem presépios armados, só vemos um Menino-Jesus feito de raios luminosos, sem nenhuma aparência de carne humana.

     Como enxergar Nele as duas crianças que, nestes dias, tiveram suas vidas ceifadas por balas perdidas, na grande metrópole de São Paulo? Ou o pequenino e pobre Miguel que despencou para a morte do alto de um edifício de luxo, nesta cidade de Recife,  por incúria de adultos?  Como lembrar aquele cadáver de criança boiando em águas rasas, à beira-mar, entre  os náufragos de um barco superlotado de migrantes?

     Se não temos olhos para descobrir esta identificação, que sentido tem proclamar que "O Verbo se fez carne e habitou entre nós"?

Jo. 1, 14.

     Durante a pandemia do COVID 19,  as crianças receberam o máximo de proteção, foram resguardadas do vírus e de suas sequelas, foram  incontestavelmente amadas. Contudo elas  aparecem sempre como figurantes, jamais protagonistas. Ninguém se dá ao trabalho de registrar os seus lances de criatividade, de genialidade, de engenho e arte para sobreviver à catástrofe e resistir  à quarentena. O mundo venera as crianças mas não escuta o que elas estão dizendo.

    Assim fazemos com o Menino Deus.  Olhamos para Ele como uma criancinha, um ser de passagem que precisa crescer para adaptar-se às nossas tradições. Ao contrário, Jesus vem romper com as nossas tradições e colocá-las em consonância com o plano original de Deus.

     Através dos séculos milhares de faces de Jesus já foram pintadas por grandes artistas. Um deles, o francês Rouault, deu-se ao trabalho de retratar dezenas destas faces, uma após outra, obcecado pela idéia de transmitir em uma delas a expressão de todos os sofrimentos da humanidade. Estes quadros estão hoje expostos em museus. Os fiéis preferem para seu uso e devoção pinturas que não pareçam com seus rostos. Refazem a mesma dificuldade, contestada por Jesus, descrita pelo evangelista, com o seguinte diálogo:

-" Eu vou para junto do Pai e vocês sabem  também o caminho de ir.

- Senhor, mostra-nos o Pai, é isso o que mais queremos!

- Há tanto tempo estou com vocês e vocês não me conhecem. Quem me vê, vê o Pai." Jo.14, ss

     Eles não conseguiam reconhecer na face humana do Filho o semblante do Pai.

     No Natal Deus desmonta nossos esquemas mentais. O que há de mais frágil, contido no que há de mais inocente, vem  revelar o seu maior segredo: "Deus amou tanto o mundo que lhe mandou seu Filho Unigênito". Jo.3,16.

     Desvendar este mistério seja nossa tarefa do Advento. E se concretize no esforço de identificar a face do Menino-Deus no semblante das pessoas com quem convivemos e das outras que vamos encontrando pelo caminho.

    Com estes personagens armaremos um presépio vivo, em nossa próxima reflexão.

 Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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