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domingo, 25 de abril de 2021

PACIÊNCIA (2), EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO 


(23/04/2021)

 

     Voltamos a falar sobre paciência, uma virtude sem teologia, sem religião, sem popularidade, tão útil e trivial, na convivência das pessoas, que talvez já tenha perdido o status de virtude. Ela não brilha como as virtudes cardeais, contudo nenhuma outra sobrevive sem os seus serviços (imagine amor sem paciência; esperança sem paciência, não dá.) Ela está para as demais virtudes assim como o ato de respirar, para os outros órgãos do corpo humano.

 

     Apesar de tamanha importância, não se conhece nenhum poema em seu louvor, nenhuma canção (há uma exceção, confirmando a regra: do compositor Lenin, "Paciência", mas vejam o que ele diz logo no começo: "enquanto todo mundo espera a cura do mal, e a loucura finge que tudo isso é normal, finjo ter paciência"); nenhum monumento público, nem a simples homenagem de uma salva de palmas, só mesmo imprecações - "haja paciência!" "Não me torre a paciência!" "Estou perdendo a paciência!"

 

        Só há um momento em que ela reina soberana e bate todos os records, é na hora de confessar os pecados, aí nenhum penitente escapa. Até mesmo para este meu escrito alcançar sua finalidade, preciso da paciência dos leitores.

 

     Avaliemos, pois, esta virtude para além de discursos teóricos ou lições de moral. Ela é tão prática, tão indispensável, que tudo se resume na famosa máxima shakespeareana: ser ou não ser paciente, ter ou não ter paciência. Quando dissemos que ela não tem religião ou teologia foi no sentido de que ela paira acima de qualquer posição religiosa e foge ao controle de qualquer Igreja. Ela não garante o céu aos cristãos, nem o nirvana aos budistas, nem as delícias do Paraíso aos muçulmanos. O que ela promete ao fiel devoto promete igualmente ao ateu assumido, a saber, sabedoria para confrontar-se com os acontecimentos e as pessoas, pelas estradas da vida.

 

     Por todas estas razões, ela é, por excelência, um atributo divino. O que seria de nós se Deus não fosse infinitamente paciente? Se coubesse aqui esta analogia, eu diria que esta é a virtude de que Ele mais se utiliza, na sua misericórdia. Quando afirmamos que Deus é Amor, podemos acrescentar que a sua forma de nos amar é sobretudo exercendo a paciência conectada com o perdão.

 

     Por trás desta conduta esconde-se uma idéia de compaixão, que é monopólio divino, a idéia de  nenhuma bondade ser definitiva e nenhuma maldade ser para sempre. No entanto, não faltam indícios de imitação, na sabedoria dos povos. Missionários franciscanos conheceram uma tribo indígena cujo idioma não possui a palavra

não. Em lugar dela, para dar uma resposta negativa, diz-se outra palavra que significa "ainda não". Que bela expressão de paciência!

 

     A esta altura, já é tempo de perguntar: não existe nenhum critério para demarcar até onde tem de ir a paciência? -  Existe um limite, sim, que não afeta a sua essência, mas a sua forma de atuar. Um pai não atenta contra a paciência quando usa de plena firmeza diante de uma insistência do filho ou encerra o diálogo com um categórico "não!" O critério é sempre o mesmo: o BEM MAIOR em vista.

 

     Diante das omissões e irresponsabilidades do Chefe da nação e de seus assessores mais próximos, especificamente no que diz respeito ao enfrentamento desta pandemia, nós, milhões de brasileiros e brasileiras que atingiram um nível de pressão arterial próximo a um AVC coletivo, não faltaremos com a paciência, se usarmos todos os meios possíveis, dentro do bom senso constitucional, para afastá-los dali, onde nunca deviam ter chegado.

 

     Na Última Ceia, Jesus  conheceu a situação-limite da sua paciência com os planos  do Iscariotes. E  só continuou a Celebração depois que ele se retirou da sala. Mas não perdeu a paciência, apenas disse-lhe: "o que tens a fazer, faze-o logo" Jo.13,27.  Amém.

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

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