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quinta-feira, 20 de maio de 2021

RESTA-ME HUMANIDADE?

 Frei Betto


  Na guerra do Afeganistão, ao longo de 14 anos (2001-2015) 149 mil vidas foram perdidas. Aqui, em 14 meses, esse número foi multiplicado por três. Como admitir tamanha mortandade? Por ter como causa um vírus invisível? Não, o vírus não age sem que humanos o transmitam. O vírus é como a bomba atômica jogada sobre Hiroshima e que ceifou 140 mil vidas. A bomba não viajou sozinha dos EUA ao Japão. Foi conduzida por uma aeronave B-29. Cada um de nós é a aeronave que transporta o vírus letal. Cada um de nós é potencialmente um míssel carregado de artefatos nucleares. Basta abrir a boca e as narinas para detonar os projéteis que haverão de semear a morte alheia.

       Todos os dias, na oração da manhã, me pergunto: resta-me humanidade? Como posso suportar, recluso em casa, que lá fora morreram, por descaso do governo, mais de 400 mil pessoas no Brasil? E mais de 14 milhões de infectados não sabem o futuro que os aguarda, se a cura, se as sequelas, se a morte.

       O que faz meu grito ficar parado no ar, a gota d`água não entornar minha paciência, a esperança me fazer acreditar que serei poupado do genocídio? Como fazer parar a máquina da morte? Como dar um basta ao negacionismo que alimenta essa política necrófila que vitimiza, indiscriminadamente, ricos e pobres, idosos e jovens, portadores de comorbidades e saudáveis atletas?

       Mais de 400 mil mortos! Não ouço os sinos tocarem por eles. Vejo apenas múltiplas mãos encharcadas de sangue se lavando, ponciopilatamente, na bacia do mais escancarado cinismo. A dor de mais de 400 mil famílias não dói em mim. O que me resta de humanidade?

       Na guerra do Paraguai, o Brasil perdeu 50 mil combatentes. Em pouco mais de um ano deixamos a pandemia multiplicar esse número por oito. Por quê? Talvez por não presenciar o desespero de quem bate em vão as portas dos hospitais desprovidos de leitos, nem o indescritível sofrimento de quem, entubado e sem receber analgésicos, conhece no corpo as infinitas dores das torturas medievais.

       Na guerra do Afeganistão, ao longo de 14 anos (2001-2015) 149 mil vidas foram perdidas. Aqui, em 14 meses, esse número foi multiplicado por três. Como admitir tamanha mortandade? Por ter como causa um vírus invisível?

       Não, o vírus não age sem que humanos o transmitam. O vírus é como a bomba atômica jogada sobre Hiroshima e que ceifou 140 mil vidas. A bomba não viajou sozinha dos EUA ao Japão. Foi conduzida por uma aeronave B-29. Cada um de nós é a aeronave que transporta o vírus letal. Cada um de nós é potencialmente um míssel carregado de artefatos nucleares. Basta abrir a boca e as narinas para detonar os projéteis que haverão de semear a morte alheia.

       Em 1912, o Titanic, navio invencível, foi vencido por um iceberg. Morreram mais de 1.500 passageiros. Aqui no Brasil já afundaram 266 Titanic e ainda há quem não enxergue a cor rubra do mar...

       As quedas das Torres Gêmeas de Nova York soterraram 2996 pessoas. O mundo parou, estupefato, frente a tamanha atrocidade. Até os dicionários religiosos suprimiram a palavra perdão. No Brasil já desabaram 133,5 Torres Gêmeas e ainda não foram apontados os responsáveis por esse terror.

       Resta sim, humanidade, mas preciso beber no poço aberto por Santo Agostinho, o da indignação, para protestar, e o da justiça, para mudar esse estado de coisas.

 

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de quarentena” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org

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