O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

sábado, 8 de maio de 2021

*O MEDO, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS*

 

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(07/05/2021)

 

     Quantos medos tem sido meus companheiros, há mais de um ano de pandemia? Afora o medo salutar de contrair

o nefasto virus. O imprevisível medo de perder alguém muito querido. O medo do "até quando"? Do "nunca mais será como antes"! O medo-estado-de-espírito.O medo do medo dos outros. O simples "tenho medo". E tantas outras variantes do medo.

     Sem falar no "medo", com variantes quase diárias, das esquizofrenias vindas dos mais altos mandatários do país (ponho aspas para diferenciá-lo; este, há tempo, já cessou de me amedrontar, ao contrário, me chama pra luta. Me faz ouvir a voz sábia de D. Zefinha do Coque: "esse pessoal que promete, a toda hora, que vai "matar e esfolar", só tem bocão".

     Não me refiro ao sentimento patológico, que produz a fobia, paralisa a relação com o objeto temido e bloqueia a decisão entre lutar ou fugir. Falo do medo normal e universal.

     Uma vez que não conheço este assunto com suficiente profundidade, não me atrevo a discorrer sobre ele, falarei sempre na primeira pessoa, do que sinto, não do que sei, porque não sei. Trata-se, pois, de um depoimento.

     Na verdade, gostaria de compartilhar meu medo atual com companheiros e companheiras de luta,  que não escondem o seu. A quarentena nos proibe de fazê-lo pessoalmente, então passo a fantasiar um encontro futurível. Para termos um ponto de convergência, vamos escolher um tema referencial: o medo do futuro, seja a curto, a médio ou a longo prazo. O simples fato de não estarmos a sós, de estarmos em  companhia amigável, confiável, já começa a produzir seus efeitos benéficos. Logo nos  nos pomos de acordo sobre alguns princípios básicos: que o medo é uma armadura da natureza, sem ele estaríamos expostos a situações extremamente perigosas. Que coragem não significa a ausência dele, e sim a capacidade de enfrentá-lo com sensatez e eficácia. Que é preciso detectar sua origem, se é real ou fictícia.

     Passadas algumas horas de partilha, sinto-me desanuviado, calmo, livre de ansiedade. E me dou conta dos primeiros resultados: não fomos barrados pelo medo; optamos pela luta e não pela fuga; abrimos uma visão para o futuro, em lugar de nos agarrar a pretensas seguranças no presente.

 

     Terminamos nossa conversa terapêutica com a mística vontade de louvar a Deus pela graça de termos feito, através do medo, um aprendizado da vida. De acolhermos sua inevitabilidade como uma espécie de companheirismo: ele nos alerta e nos educa.

     Depois de cada um desses encontros, livro-me de muitas inúteis cautelas, fico mais audacioso. Mais preparado para decifrar e assumir as palavras de Jesus, na sua Última Ceia, às vésperas da Paixão: *"não tenham medo, eu venci o mundo".*

     Ao final, se quisesse convidar alguns desses companheiros para um jantar fraterno, evitaria escolher pessoas com inclinação ao ceticismo, ao relativismo, ao pessimismo. ELas cansariam meu entusiasmo, me acorrentariam na virtude da prudência, inativariam minha paixão pela Causa, com seus "mas", "porém", "todavia", "talvez sim, talvez não", "não é nada fácil", "é bom ter cuidado", "a culpa é das esquerdas", etc.

     Temos escutado com frequência a previsão dos peritos, alertando-nos para as sequelas que virão no pós-pandemia, por conta das ansiedades acumuladas. Muito trabalho para psicólogos e psiquiatras.

    Da minha parte rezarei para não estar entre eles. Digo rezarei, pois não acredito no sucesso de nenhuma luta desprovida de fé, de coração, de espiritualidade (seja de que ordem for). Não conheço nenhum grande revolucionário que tenha vencido o medo com os poderes da razão pura. Um deles escreveu um dia: "vou dizer uma coisa, mesmo correndo o risco de parecer ridículo: todo verdadeiro revolucionário é movido por um sentimento de amor" (Che Guevara). Não concebo esta confissão senão como um "insight" tardio de sua primeira formação cristã.

Só isso me motiva a convidar meus companheiros e companheiras para nos debruçar sobre uma  certa passagem bíblica que sempre me impressionou, dar-lhe uma dimensão ampla, abrangente, quiçá revolucionária, e refletir  até as últimas consequências:

     *"Onde há amor não existe o medo. Pelo contrário, o verdadeiro amor lança fora o medo porque o medo supõe o castigo. Por isso,  quem sente medo não está realizado no amor"* 1Jo.4, 18-19.

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário