O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

domingo, 23 de maio de 2021

LIÇÕES DO TEMPO PASCAL, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 


FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(21/05/2021)

 

     Este ano, mais uma vez, celebramos a Festa da Páscoa com nossas igrejas quase vazias. Uma tristeza, sem dúvida, para quem se nutre da Fé e, a cada ano, reacende sua chama no Círio Pascal.

 

     No entanto, há boas lições a aprender neste esvaziamento imposto pelo coronavírus. Recordemos o grande medo dos apóstolos, vendo esvaziarem-se suas esperanças com a morte do Mestre querido. Recordemos a dor de Maria Madalena e de outras mulheres ao visitar a sepultura do Senhor e encontrar o túmulo vazio. Mas foquemos nossa atenção em um ponto especial, nas palavras do anjo mensageiro: "por que vocês procuram entre os mortos Aquele que está vivo?" Lc.24,5.

 

       Poderemos ver aí uma fonte inspiradora para outro tipo de entendimento. Às vezes uma realidade tal gera seus contrapontos e estes acabam ajudando a comprendê-la com nais lucidez (o veneno da cobra é mortífero, porém com ele se fabrica um antídoto para curar a mordida da cobra.)

 

     Vou invocar novamente um dos nossos "terríveis adversários", o filósofo Nietzsche. Em um de seus textos ele fala de um "homem tolo", uma espécie de palhaço (palhaço é um personagem que pode dizer a verdade em meio a risos). Ele entra na igreja e convida o povo a entoar o "requiem aeternum" pela morte de Deus, dizendo: "o que ainda são estas igrejas senão túmulos e lápides de Deus"?

 

     Sinceramente confesso que a blasfêmia do "homem tolo" não fere minha fé, mas fere a minha consciência. Será que não há certas formas de Igreja que se tornaram jazigos frios de um "deus morto?". Lembro, a propósito, uma alusão do Papa Francisco, quando ainda cardeal, a uma passagem do livro do Apocalipse. O Senhor esta diante da porta e bate, querendo entrar. Só que agora Ele bate por dentro, querendo sair. Talvez tenhamos aprisionado Jesus em nossas pretensas seguranças.

 

     Recentes estudos sociológicos constataram uma notável diminuição do número de pessoas que se sentem em casa, no mundo (há uma doença chamada "mal do mundo", um tédio de estar aqui). Por outro lado, cresce também a quantidade de pessoas que estão à procura. Entre estas últimas devemos situar a nossa Fé. Uma fé estagnada, que não está mais à procura, é uma fé de UTI. A diferença é que, em vez de procurarmos a partir de um ponto zero, nós nos deixamos conduzir por uma Luz Superior: "Eu sou a Luz do mundo" Jo.8, 12.

 

     Imaginemos muitos desses caminhantes das sombras entrando em nossas igrejas, ansiosos por ouvir algo que toque suas feridas e aponte meios de cura! O que ouvem? O que sentem? Como saem dali?

 

     Vale buscar inspiração em uma outra passagem bíblica que se destaca na liturgia do tempo pascal.  Aquela do apóstolo Tomé. Após descrer do testemunho dos companheiros, Ele se confronta com o Senhor, face a face. - "Vem cá, Tomé, olha para mim, vê minhas mãos, toca nas marcas das chagas. Sou eu. Por que duvidas?" Cf.Jo, 20, 27-29. Neste momento o incrédulo Tomé transforma-se no Tomé crente e comovido: "Meu Senhor e meu Deus!". Qual foi a porta da conversão? Foi o "toque nas marcas das minhas chagas".

 

     Aí se encontra a lição permanente do tempo pascal: é preciso crer na eficácia do amor solidário, a despeito da visão adversa dos fatos reais. S. Paulo chama o acontecimento do Calvário de "loucura da cruz", e a põe em confronto com a pretensa sabedoria do mundo. "Aquilo que o mundo reputa como loucura e fraqueza Deus converte em saber e poder, a fim de confundir os que se passam por sábios e poderosos" 1Cor.1,18ss.

 

     Narra uma antiga tradição que, um belo dia, o diabo apareceu a São Martinho, disfarçado de Jesus Cristo. O santo viu, não se impressionou e perguntou: "onde estão as feridas"?  Moral da estória: não há outro caminho para ver Jesus revivendo e operando ressurreições, hoje em dia, que não seja tocando nas feridas do mundo.

     É para nos guiar por este caminho que invocaremos o Espírito Santo no próximo domingo: "Senhor e Criador que és nosso Deus, vem inspirar estes filhos teus, e em nossos corações derrama a tua luz, e um povo renovado ao mundo mostrarás". Amém.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário