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sábado, 27 de novembro de 2021

Falta de vergonha na cara


Prof. Martinho Condini



 

Na semana passada ocorreram muitos debates, entrevistas e reflexões com representantes dos movimentos negros pelo dia Consciência Negra, data símbolo da luta contra o racismo e construção de políticas públicas antirracistas. Essa luta liderada pelos movimentos negros é histórica e acontece há séculos. Uma luta que deve ser de todas as pessoas que de alguma maneira se sintam incomodadas e responsáveis pela construção de uma sociedade mais justa, igualitária e antirracista.

Mas sem sombra de dúvida o protagonismo e liderança de todo esse processo está nas mãos daqueles que são há tempos severamente humilhados, maltratados, desrespeitados e assassinados injustamente: as crianças, os jovens e os adultos, negras e negros da nossa sociedade.

As pessoas brancas engajadas nessa luta devem participar sim, mas como aliados, jamais como protagonistas, pois a dor e a revolta sentida pelos afrodescendetes é intransferível, jamais brancas e brancos sentirão a crueldade do racismo num país tão racista como o nosso.

A branquitude é algo tão vergonhoso e asqueroso quanto o racismo. E foi a partir dessa branquitude que se constituiu uma cultura de expressões, apelidos e outras manifestações racistas que passaram a ser compreendidas como algo natural como: mercado negro, magia negra, lista negra, caderno negro, ovelha negra, serviço de preto, criado mudo, a coisa ta preta, denegrir, cabelo ruim, negro de traços finos, alma branca, tem pé na cozinha, cor do pecado, samba do criolo doido, meia tigela e fazer nas coxas. Eu incluo neste rol de expressões o termo sexta-feira negra.

 Por isso, há àqueles que dizem que não aceitar mais essas expressões, piadas, apelidos ou se referir a uma negra ou negro de maneira jocosa ou ofensiva não tem nada de mais, é mimi.

São por essas e outras que temos que ouvir a Bruxinha do Brasil (ex-ministra da cultura desse desgoverno), sugerir a criação do Dia da Consciência Branca, que tal 5 de fevereiro, dia do aniversário dela? Essa mulher é burra, mal intencionada ou fascista? Pelo seu histórico como atriz e pelas suas escolhas políticas ao longo dos anos, há possibilidade que seja as três.

As pessoas que pensam como a Bruxinha do Brasil, que questionam o Dia da Consciência Negra e a ausência do Dia da Consciência Branca (essas pessoas não são poucas, já vi esse tipo de questionamento numa sala de professores, por colegas de profissão), neste final de semana devem estar enlouquecidas consumindo nas Bleque Fraide da vida.

Um país com histórico de mais de trezentos anos de trabalho escravo e que após a abolição em 1888, criou uma política de embranquecimento da sociedade concomitantemente a construção de um encantamento com a imigração européia que possibilitou o desenvolvimento de um racismo estrutural que nos envergonha, e é o grande mau da nossa sociedade (sem o seu fim jamais seremos uma verdadeira democracia), jamais deveria utilizar esse termo Bleque Fraide. Mas infelizmente ainda carregamos uma forte influência da síndrome da colonização, e por isso copiamos qualquer porcaria, seja de metrópoles ou das nações imperialistas.

Mas para a branquitude, representada pela supremacia branca capetalista judaíco-cristã da nossa sociedade, utilizar essa expressão não tem importância nenhuma (muito pelo contrário, parece que estamos em Nova Iorque), é apenas uma expressão atrelada a uma ação para enriquecer ainda mais os capetalistas brancos.

 Apesar da expressão bleque fraide não ter relação comprovada da liquidação de venda de escravos nos Estados Unidos, já que a expressão surgiu seis anos após o fim da escravidão naquele território, aqui no Brasil toda expressão que se utiliza da palavra negro ou  negra, é necessário muita atenção e cuidado, porque o nosso racismo estrutural é sutil, perigoso, perverso e profissional.

Pois é, você se reuniria com amigas ou amigos em um bar ou restaurante de nome Auschwitz?

Então, aqui no Brasil, mais precisamente na cidade de São Paulo, centenas de pessoas se reúnem para se divertir no bar e restaurante Senzala.

É bem provável que essas pessoas que vão a um espaço denominado Senzala pense da mesma forma que a Bruxinha do Brasil.

 O que faltam a essas pessoas  é conhecer a história de seu país e ter um pingo de vergonha na cara.

 O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com

 

 

4 comentários:

  1. Belo e oportuno texto, meu caro mestre!!!!

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  2. Perfeito! Perfeito! Perfeito, mestre Condini. Meus parabéns!

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  3. Martinho. Seu texto nos traz profundas reflexões nesse tempo em que nos deparamos, ainda mais, com a crueldade do racismo.

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