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sábado, 20 de novembro de 2021

Talvez um alento

 Prof. Martinho Condini


 

Há um ano, João Alberto Silveira Freitas morreu após ser brutalmente espancado por seguranças no estacionamento da loja do Carrefour, em Porto Alegre.

A diferença entre a morte de milhares de negros e negras que já ocorreram neste país, com a morte de João Alberto é que a sua foi filmada e colocada nas TVs e nas redes sociais. Cidadãs e cidadãos dessa sociedade do espetáculo assistiram a pavorosa cena, o que gerou vários protestos pelas principais cidades do Brasil.

Os réus respondem na justiça por homicídio triplamente qualificado: por motivo torpe, asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima, com dolo eventual. 

Os que espancaram João Alberto estão presos, a fiscal da loja está em prisão domiciliar e alguns seguranças e funcionários que não participaram da ação, mas se omitiram em proteger João Alberto respondem a ação em liberdade.

O processo criminal ainda não foi concluído, apesar das imagens.

A loja em que ocorreu esse trágico acontecimento, foi punida?  O Carrefour Brasil tomou alguma medida propositiva em relação às questões antirracistas em suas lojas espalhada pelo território brasileiro?

Por mais incrível que possa parecer, a empresa durante o ano de 2020/2021 realizou políticas antirracista com ações práticas no intuito de contribuir não só com o processo de conscientização do problema racial, como também com ações educativas e criação de oportunidades de trabalho e estudo para jovens negras e negros.

Mas claro que essas ações por parte da empresa só ocorreram devido a pressão e protestos da sociedade civil, que começaram a fazer saques em suas lojas e campanhas para que as pessoas não freqüentassem mais as lojas dessa rede de supermercados.  

Essas ações positivas realizadas pela empresa não trarão João Alberto de volta, nem acabará com o racismo numa sociedade conservadora,retrógrada e racista como a brasileira, mas são realizações importantes que poderão incentivar outras empresas a ter atitudes semelhantes de políticas antirracistas, sem ter que esperar que outros Joões Albertos  sejam brutalmente assassinados.

Desde de o acontecido a empresa assumiu compromissos públicos e criou um Fundo Antirracista, no valor de 115 milhões de reais com validade de três anos. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público teve um aporte inicial de 25 milhões de reais e os resultados das vendas dos dias 20,26 e 27 de novembro 2020.

O Fundo Antirracista realiza ações internas de combate à descriminação racial e promoção da equidade, ações de mobilização da rede de fornecedores/parceiros e ações de impacto na sociedade, principalmente empregabilidade, educação e empreendedorismo de pessoas negras.

Os investimentos são destinados prioritariamente às bolsas de educação formal e de qualificação profissional, empreendedorismo e projetos socioculturais, além de campanhas educacionais. Todas essas ações sem dúvida são importantes.

Mas não podemos nos esquecer que 56% da população brasileira é negra e a luta é diuturna contra o racismo estrutural (enraizado nas mais profundas entranhas da nossa sociedade), que infelizmente ainda permanece em nossa sociedade.

Enquanto na cultura brasileira prevalecer a ética da branquitude, onde as práticas racistas não são vistas como racismo, e sim como um comportamento natural na sociedade, afinal de contas foi sempre assim, não há nenhuma possibilidade de se baixar a guarda diante desse contexto racial e preconceituoso que nos aflige a séculos.

As atitudes positivas tomadas por essa empresa talvez seja um alento diante de tanto sofrimento, desigualdade e injustiça.

As práticas antirracistas devem permanecer na mente e corações de todos os sujeitos envolvidos de alguma maneira nessa luta contra o racismo estrutural.  

Viva o Dia da Consciência Negra. Que esse seja mais um dia de luta e reflexão, conforme foram os outros 364, com uma diferença: hoje João Alberto será lembrado e homenageado, pois se tornou um símbolo da resistência negra contra o racismo e preconceito no Brasil.     

 

O Prof. Martinho Condini é historiador, mestre em Ciências da Religião e doutor em Educação. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara e Paulo Freire. Publicou pela Paulus Editora os livros 'Dom Helder Camara um modelo de esperança', 'Helder Camara, um nordestino cidadão do mundo', 'Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o DVD ' Educar como Prática da Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire. Pela Pablo Editorial publicou o livro 'Monsenhor Helder Camara um ejemplo de esperanza'. Contato profcondini@gmail.com

 

 

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