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terça-feira, 2 de novembro de 2021

A civilização da Ecologia Integral

 Marcelo Barros


Neste mês de outubro, a ONU concluiu a primeira parte da 15ª Conferência Mundial sobre a Diversidade Biológica (COP 15). Por conta da segurança sanitária, os representantes de mais de cem países tiveram de se reunir, uma parte presencialmente em Kunming, cidade do sudoeste da China e a maior parte dos/das participantes de forma virtual. Da segunda-feira 11 à sexta, 15 de outubro, se reuniram os grupos de trabalho e concluíram pela publicação de uma “Declaração de Kunming” Este documento mostra um consenso sobre a urgência de salvar a biodiversidade no mundo. Para isso, propõe que, deste mês de novembro até 2030, a ONU consiga colocar sob a proteção a proteção internacional 30% das áreas de floresta e de biomas ameaçados, como também se intensifique a proteção dos oceanos. Em Kunming, foram representantes de 72 países que concordaram em priorizar a educação para uma “civilização ecológica”. Xi Jinping, presidente da China, anunciou a criação de um “fundo Kunming”. Isso significa a contribuição de 1, 5 bilhões de yuans (mais de 220 milhões de dólares) para apoiar a conservação da biodiversidade nos países considerados “em desenvolvimento”. Esse material será rediscutido e afunilado em mais uma sessão de trabalho em Genebra, durante o mês de janeiro de 2022, antes do documento final ser votado e decidido em seus detalhes, provavelmente em abril na China, quando se encerrará oficialmente a COP 15. 

Quem acompanha as notícias da imprensa sabe que o desafio maior é como conciliar as resoluções necessárias para salvar a biodiversidade com os interesses de lucro das empresas e dos governos que continuam considerando a natureza como matéria prima e como mercadoria. Representantes de grandes empresas multinacionais enviaram ao grupo reunido em Kuning uma carta na qual afirmavam: “Devemos reconhecer a amplidão da crise ligada à destruição da natureza. A natureza é essencial na luta contra as mudanças climáticas. Não pode haver comércio nem lucro em um planeta morto”.

Cada vez mais, fica mais claro para a humanidade que em um sistema social e econômico que coloca o lucro em primeiro lugar não existe possibilidade nem de biodiversidade, nem de civilização ecológica. Desde anos, o povo pobre que se reúne junto com as pastorais e movimentos sociais no Grito dos Excluídos tem como palavra de ordem: A vida em primeiro lugar.   Só é possível ver a terra como “casa comum” se a prioridade máxima de toda atividade humana passa a ser a vida. Quanto mais nos inserimos nesse caminho mais percebemos que não é possível salvar a biodiversidade em um mundo de injustiças sociais. Por isso, o melhor é falarmos em sociobiodiversidade, ou seja, um olhar que reúne os ecossistemas da natureza com a luta pacífica pela justiça social e o respeito às diversidades de gêneros, raças, culturas e religiões, além da justiça construída a partir dos direitos da classe trabalhadora e do povo excluído.

Nos Andes, a cultura ketchua mantém até hoje a noção do Pachacuti. Conforme essa visão, a colonização colocou o mundo de cabeça para baixo. É preciso reinverter a ordem do mundo de modo que se recomponha a harmonia entre os seres humanos e a natureza e os Espíritos das montanhas. Isso é o Pachacuti.

A Carta da Terra, documento aprovado pela UNESCO, como uma carta dos direitos da Terra, em um parágrafo citado pelo papa Franscisco na encíclica Laudato si, afirma: “O destino comum nos obriga a procurar um novo início. Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar de uma nova reverência face à vida., pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida” (LS 207).

 

 

  Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.br  

 

 

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