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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Quaresma e vida nova




Por MARCELO BARROS
                       
A cada ano, os cristãos de Igrejas mais antigas celebram Quaresma e Páscoa. É um tempo oportuno para que, ao lembrar a morte e ressurreição de Jesus, cada um possa se renovar interiormente e colabore para transformar o mundo e tornar toda a Igreja e o próprio mundo mais pascal. Ainda hoje, a Quaresma é associada a práticas de jejum e penitência. Em alguns lugares, o povo faz via sacra e procissões tradicionais. Quem vê de fora pode pensar na Quaresma como repetição anual dos mesmos textos e ritos. Entretanto, ao contrário, Paulo escreve aos cristãos de Roma: “Já que vos dais conta do tempo em que estamos vivendo, é hora de despertardes do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçamos a fé” (Rm 13, 11).
     Para Paulo, a salvação não significa apenas o esforço para se santificar pessoalmente, mas a realização do projeto divino no mundo e nas comunidades. Ele insiste que, mesmo em meio às contradições da história, esse projeto se realiza pouco a pouco e progressivamente. Isso não significa que o mundo hoje seja mais humano ou justo do que há cem anos. 
     Menos ainda que o tempo, por si mesmo, traga soluções para a vida melhorar. Há quem considere que, em vários aspectos, hoje, a sociedade seja mais violenta do que em outras épocas, o individualismo mais exacerbado, a natureza mais destruída e o futuro mais sombrio. Entretanto, apesar disso tudo, em meio a todas as dificuldades, germina uma semente de paz, justiça e amor que vem do Espírito e vai na direção do projeto divino no mundo. Seja como for, a consciência de direitos humanos, a luta pela liberdade e pela igualdade entre homens e mulheres, de todas as raças e culturas, tem crescido e é sinal de que aquilo que judeus e cristãos chamam de Páscoa vai progressivamente se realizando não somente nos corações dos crentes, mas mesmo nas estruturas do mundo.  
       A Campanha da Fraternidade dessa Quaresma e Páscoa foi decidida há mais de dois anos pela CNBB, alarmada pelas estatísticas que mostram o elevado número de assassinatos e violências cometidos contra os jovens mais pobres no Brasil, especialmente os de raça negra e moradores de favelas.    
     Essa violência tem várias raízes na injustiça estrutural de nossa sociedade, mas se alimenta com os conflitos trazidos pela marginalização e pela frustração de muitos jovens privados de moradia, trabalho e condições de vida digna que deveriam ser direitos de todos. Para diagnosticar se um viaduto ou um edifício rachado estão sob o risco de desabar, engenheiros e arquitetos examinam as condições dos pontos mais frágeis. Se as ligaduras e junções consideradas mais fragilizadas suportarem bem a pressão cotidiana do uso, eles consideram o viaduto ou edifício seguro. Se estas se mostram sob o risco de caírem, todo o edifício está condenado. 
     A sociedade humana também é assim. E, por várias razões, a sua parte mais fragilizada e mais vítima das injustiças sociais é justamente a juventude das periferias urbanas, das comunidades rurais e de modo especial dos grupos indígenas e negros. As estatísticas mostram que os jovens negros são as mais frequentes vítimas da violência urbana no Brasil. E em algumas regiões, como o Mato Grosso do Sul, as áreas indígenas continuam sofrendo com o número assustador de adolescentes e jovens que se suicidam. Estas sociedades precisam de novas condições de vida. A Páscoa é essa energia de esperança e de comunhão.
     Para quem é cristão, o mais importante na Quaresma não é a prática de devoções penitenciais que podem não trazer nenhuma mudança concreta à vida pessoal e a da comunidade. O que Deus pede de nós e renunciarmos a tudo o que for necessário e nos dispor a uma maior solidariedade com os projetos que restituam à juventude do campo e da cidade uma possibilidade de vida nova e pascal. Isso também para nós será fonte de profunda alegria. No século IV, o bispo João Crisóstomo ensinava: “A Páscoa de Jesus vem fazer da vida da gente, mesmo no meio das lutas e das dores, uma festa permanente de esperança e comunhão”.  

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