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sexta-feira, 26 de março de 2021

"CAOS E CONVERSÃO EM TEMPOS DE CORONAVIRUS" 2


 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(24/03/2021)

 

     Nestes primeiros dias de lockdown imposto pelas novas variantes do coronavirus, a nossa fé tem sido posta à prova e cresce o anseio por uma intervenção divina. Como uma criança pobre que insiste no seu pedido, "vai, tio! vai, tio! vai, tio!" assim nossa súplica: vai, Deus! vai, Deus! entra em cena com o teu poder. Chegamos a uma situação-limite, salva-nos, antes que venha o caos!

 

     Faz um pouco mais de 20 séculos, em terras  de Israel, o povo gemia impotente sob o jugo implacável do Império Romano. Restava--lhe uma única esperança: a Fé na vinda do Messias libertador. "Abram-se as nuvens  e façam chover o Salvador. Fenda-se a terra e faça germinar a salvação", clamava o povo há séculos.

 

     Aí chega Jesus de Nazaré. Em sua primeira pregação, convoca todo mundo para uma "metanoia". Mergulhemos fundo no  sentido etimológico desta palavra grega, a fim de compreendermos as suas intenções. "Meta": além, acima e "noia", derivação de "nous": mente. Trata-se, pois, de uma mentalidade nova, gerando novas atitudes. A palavra se supera,  adquire uma nova dimensão, um modo transcendentalmente novo de conceber idéias, de enxergar a vida, a realidade e de se comportar. Comumente ela se traduz com os termos conversão e penitência.

 

     Imaginemos um motorista que transita com seu veículo por uma avenida e, de repente, decide mudar para outra avenida. Ele faz uma manobra que se chama conversão. É uma rota nova, que se abre para a visão de uma nova realidade. A antiga rota ficou para trás. Jesus chama a conversão de "novo nascimento" (cfr.Jo.3,3-6). S. Paulo chama o convertido de "nova criatura" (cfr.Heb.1,11)

 

    Ao longo do tempo este entendimento foi-se diluindo; foi-se limitando ao campo de emoções e práticas corporais (testemunho verbal, adesão a uma nova comunidade religiosa, jejuns, abstinências, etc.). E assim a radicalidade do Evangelho acabou sendo domesticada, amenizada, quando não instrumentalizada, inutilizada.

 

     A prática da Fé, para ser cristã, tem que ser vivida historicamente,  em meio aos acontecimentos. História da Salvação é o seu nome tradicional.

 

     Chega então a hora de perguntar: como viver nossa Fé no confronto com os fatos  que  estão violentando a segurança e a paciência do povo brasileiro, submetido à esquisofrenia dos que ocupam a cúpula do poder político?

 

      Por fidelidade à  metanoia evangélica, não podemos compactuar com suas políticas, sob pena de negar nossa Fé, desde a raiz.

 

     Daí a angústia de muitos cristãos,  a vontade de interpelar a Deus diretamente, como o salmista: "acorda, Deus, por que dormes? Por que escondes a tua face, esquecendo nossa opressão e miséria?" Salmo 44.

 

     Imagino a resposta do Alto: por que eu teria de corrigir, com uma intervenção direta, o caos que vocês mesmos criaram? Como vocês aprenderiam as lições necessárias para prevenir novas catástrofes? - No entanto, Senhor, milhares de pessoas estão perdendo a vida e outras milhões, perdendo a paz! - Houve acaso alguma época na História em que as verdadeiras conversões em favor da vida e da paz não tenham custado martírios e sangue humano? De onde vem estes crimes senão de vossos egoismos e ambições?  - Apesar de tudo, Senhor, vem em nosso socorro, pois estamos perdendo as forças de reagir!  - Enquanto vocês se amedrontarem diante de um grupo de mentes patológicas, com seus planos diabólicos, sem aprender as lições do passado, suas forças só definharão. Se não vos converterdes, ainda que eu destruisse o último coronavirus, voltaríeis aos vossos pecados, causadores de novos virus. - O' Deus, tem piedade. Como iremos celebrar a próxima Páscoa com 300.000 mortes na consciência? - Todos estes foram redimidos pelo sangue do meu Filho. Deixai-os entregues ao meu amor. Eu cuidarei deles e eles viverão para sempre. Mas se quiserdes perpetuar sua memória, perseverai na luta.

 

      Este  diálogo jamais acabaria porque nenhum de seus argumentos é inquestionável. Deus não age por argumentos e sim por compaixão. Se  cremos, rendemo-nos a Ele. Igualamo-nos a uma criança que segura na mão do pai e se sente maior do que o mundo. E ficamos a escutar estas palavras de Jesus: "....fareis as coisas que eu fiz e outras ainda maiores" Jo.14,12. Amém

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

 

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