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segunda-feira, 22 de março de 2021

"CAOS, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS"

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(20/03/2021)

 

     Esta manhã, bem cedo, do alto da minha janela aberta para a cidade, contemplo ruas e praças e tenho uma sensação comparável ao "dia seguinte do final da Copa do Mundo de 1950" ou comparável a uma "véspera de fim do mundo". No primeiro caso: tristeza; no segundo: medo.

 

     Esta sensação não procede do ineditismo de ruas e praças inteiramente vazias de seres humanos, não, é algo fúnebre, talvez efeito emocional dos pesadelos desta noite, acumulando imagens das más notícias do dia anterior. Há muito tempo não via um noticiário tão deprimente. Catástrofe, exaustão, esgotamento, tragédia, depressão, colapso, são alguns substantivos empregados pela mídia. Destes, escolho um, em especial, como o mais próximo da realidade: tragédia. Em seu sentido etimológico. De origem grega, esta palavra designava o canto que precedia a matança ritual de bodes nas festas de Baco. (Nestes tempos de culto à natureza, decerto não pega mal esta analogia entre bodes e seres humanos; a dor que precede a morte nivela todas as vidas).

 

    Afinal o que está acontecendo fora do que os nossos olhos alcançam? O que irá mudar para além do que prevêem as nossas conjecturas? Será que Deus está mudo? Ou será que Ele está falando para ouvidos surdos?

 

     Nossa fé desatenta espera, da parte Dele, intervenções fenomenais, espetaculares, capazes de provar que, desta vez,  é a Divindade que vai entrar em campo. E não nos damos conta de que, há milênios, Deus fala de mil maneiras e por mil sinais.  Desde o início da pandemia, temos sido advertidos por vozes proféticas: não basta precaver-se com medidas preventivas. Nem mesmo basta esperar a vacina prodigiosa. É preciso mudar de vida, converter-se, mudar modelos da convivência humana, mudar relações com a natureza, mudar aspirações e finalidades, mudar estruturas de poder, mudar projetos políticos e econômicos. A reação geral é o eco de velhos jargões: "tudo, menos mudanças nos meus planos de vida!" "Tudo, menos privação dos meus prazeres!"  "Tudo, menos perda de meus lucros!"

 

     Mais grave do que tudo isso é a sensação que me ocorreu, e ainda persiste. A sensação de que existem grupos diabólicos, com intenções diabólicas, para fins diabólicos. Estes grupos advogam uma nova idéia de libertação: libertar-se de tanta gente que está ocupando os espaços onde menos gente poderia ser feliz. Como  seria feliz um Brasil de  80 milhões de habitantes em vez de 200 milhões, com superlotação de massa improdutiva! "A culpa é dos pobres, proliferando feito coelhos". Infelizmente as leis não permitem que contratemos matadores profissionais. Daí nada mais oportuno do que uma pandemia para fazer uma "seleção natural".

 

     Imagino alguém se agitando dentro do túmulo: Charles Darwin (1809-1882). Depois de mais de 20 anos de pesquisa,  ele chegou à conclusão de que a sobrevivência das espécies está associada  à seleção natural e isso se dá como forma de adaptação ao meio ambiente em que habitam. Aplicada à sociedade humana, a seleção natural acontece à medida em que algumas sociedades se extinguem por incapacidade de acompanhar a linha evolutiva das demais.

 

     O que pretendem os diabólicos nazi-fascistas de plantão? - Pretendem apressar esta seleção, a ferro e fogo. Não podemos esperar séculos! Temos que agir agora!

 

     Só de imaginar, vejo, a poucos metros, o espectro de Hitler. Então  boto a mão no fogo da minha fé e digo: não! Não! Jamais! Enquanto aguardo a reação dos meus companheiros, a fim de saber se vale a pena ir adiante neste assunto, vou meditar nestas palavras de Jesus: "Se tiverdes fé, como um grão de mostarda, direis a este monte: retira-te! E ele obedecerá." Mt. 17,20.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

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