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quarta-feira, 31 de março de 2021

SEMANA SANTA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(30/03/2021)

 

     Nossa última Reflexão provocou algumas fortes reações de leitores e leitoras, algo como "doeu na consciência", reações que, por sua vez, sugerem um feed-back. Eis algumas: "Seu artigo me tocou. Sempre fui contra a neutralidade.  Lavar as mãos é a pior alternativa" - "Desculpe-me a expressão, mas foi um soco no estômago de muitos que ficam encima do muro". - "Que palavras duras! Espero que cutuquem a minha consciência, despertando culpa, mas também compaixão com minhas limitações. Carrego a culpa do mundo nas costas, e sinto que isso às vezes me paralisa."

 

     O autor confessa que é o primeiro a entrar na fila dos penitentes: "mea culpa, mea culpa." Não foi seu intento fazer sermão de justo a pecadores, foi, antes, alertar as consciências, a começar pela que Deus lhe deu.

 

     Quem é que, algum dia, já não "lavou as mãos na bacia de Pilatos, expulsando a voz da consciência, encenando o velho ritual de desculpas eloquentes: "sou inocente do sangue deste justo"! Mt.27,24.

 

     Dito isto, iniciemos nosso ato penitencial. Tomemos assento na Última Ceia de Jesus com os apóstolos. Se quisermos imaginar o cenário original, contemplemos a pintura de Leonardo da Vinci. Ele retrata a reação dos apóstolos no exato momento em que Jesus anuncia "um de vocês vai me trair".

 

     Que tipo de gente se encontra ali diante do Mestre? - Um grupo de homens medrosos e covardes. Jesus não lhes poupa advertência: "na hora mais difícil, vocês todos vão me abandonar".

 

     No entanto, são eles que estão ali, convidados a repartir o pão da Páscoa. Há só um que não pode ficar. É aquele que se esconde na neutralidade, entre o Cenáculo e o Sinédrio, entre o beijo disfarçado da noite anterior e o não querer faltar a esta Ceia Pascal. Jesus lhe sussurra: "o que tens a fazer, faze-o agora", uma maneira menos dura de dizer: "retira-te"! Judas sai. Os demais se refazem. Tem início a Ceia.

 

     É com este material humano que o Filho de Deus conta. Ele não se fez acompanhar por uma legião de anjos ou por uma milícia de super-homens.  Mas escolheu os que encontrou pelo caminho, de coração aberto, pés livres, mãos desatadas, intenção pura e coração de pobre. Com estes usará de infinita paciência, até convertê-los em novos homens, de pescadores de peixes em  pescadores de almas, de amedrontados em  apaixonados. Numa luta entre forças desiguais, só se pode confiar em combatentes tomados de paixão.

 

     Deprimidos pela crucifixão do seu Mestre, os apóstolos desertaram. E não sairiam de sua letargia, se não fossem sacudidos por uma Força Superior. Esta irrompeu sobre eles em forma de fogo ardente, manifestação do Espírito de Deus. Estas duas chamas acesas, a da paixão e do Espírito os conduzirão até o fim,  até as últimas consequências. O legado do Mestre é uma Semente a que chamam Boa Notícia, e que traz no seu interior uma promessa: "tornar-se-á uma árvore frondosa onde os pássaros virão fazer seus ninhos" Mt.13,32.

 

     A paixão é comum a todos eles, o que não significa que as forças são niveladas. Paulo se mostra extremamente destemido. Pedro fraqueja algumas vezes. Tiago se antecipa aos demais no martírio. André,  Filipe e os outros se espalham no anonimato. Cada qual com seu carisma e talento. Ao final, nenhum recuou diante do martírio.

 

     Esta é a Semente que chegou às nossas mãos. Ela se nutre da Graça e cresce pelos nossos cuidados. Seus frutos, seus êxitos não necessitam de celebrações triunfalistas, mas sim de  reencontros na Ceia Pascal. Aí reviveremos a memória do Senhor Ressuscitado, e nos revestiremos com a armadura  da Paixão e da Fé.

 

     "O Senhor me disse: basta-te a minha graça, pois é na tua fraqueza que meu poder se manifesta totalmente. É por isso que me animo nas tribulações, nas adversidades, nas perseguições pela Causa do Cristo, pois quando pareço fraco, aí é que sou forte" Cf.2Cor.9-19.

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

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