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terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Sinodalidade para as Igrejas e para o mundo

 

Marcelo Barros


O papa Francisco convoca a Igreja Católica para que, no mundo inteiro, a partir das bases, todas as comunidades católicas, assim como padres, religiosos/as e bispos, aprofundem um processo de diálogo em preparação à XVI sessão do Sínodo dos Bispos. Concretamente, o papa propôs um caminho em três etapas. Até abril de 2022, deve ser a fase diocesana, constituída por ampla consulta às bases. A segunda fase, de abril a setembro deste ano, será a etapa nacional. A fase continental irá até abril de 2023. Finalmente, esse caminho comum confluirá para o encontro mundial dos bispos, em outubro de 2023 em Roma. A proposta do papa é que o Sínodo se torne um modo novo de viver a fé. Em grego, o termo syn odos significa caminho em comum. O papa Francisco afirmou: “O caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio é a sinodalidade”. (Alocução,17 de outubro de 2015)[1]”.

Desde que, a partir da Idade Média, o bispo de Roma se tornou chefe de toda a Igreja ocidental, é quase a primeira vez que um papa enfrenta oposição dentro do próprio clero e hierarquia. Alguns cardeais, bispos e muitos padres não aceitam o papa e o criticam abertamente. O problema é que, mesmo no meio dos padres e bispos que o aceitam, muitos ouvem sua palavra, mas não a traduzem em novo modo de ser Igreja.

Ao falar em sinodalidade, o papa sabe que a maioria das pessoas que coordenam as comunidades, assim como bispos, padres, religiosos/as e agentes de pastoral são preparados para obedecer e mandar e não para o  diálogo e o caminhar juntos. O Vaticano é a única monarquia absoluta que ainda persiste no Ocidente. Sua política continua arbitrária e sem transparência. Em nome do papa, o Vaticano nomeia bispos; os bispos nomeiam os padres e os padres quase só precisam prestar contas ao bispo. Não adianta o papa Francisco denunciar o clericalismo, se este é o próprio sistema atual e se sustenta pela divisão que, a partir do século IV dividiu a Igreja entre clérigos ordenados e leigos não ordenados. Enquanto este sistema não for estruturalmente modificado, falar em sinodalidade parece brincadeira para disfarçar a sobrevivência do autoritarismo eclesiástico.  

A proposta da sinodalidade que o papa faz à Igreja corresponde à democracia participativa e direta que os movimentos populares fazem à sociedade civil e aos Estados. No mundo, os sistemas políticos também estão em crises. Os partidos parecem desacreditados e os governos precisam mostrar que não são apenas gerentes credenciados pelo Capitalismo financeiro para administrar os países a serviço dos lucros da elite.

Desde algumas décadas, na América Latina e na África, os povos originários propõem para toda a humanidade o paradigma do Bem-viver, centrado na primazia da vida, no respeito aos bens comuns da humanidade e na comunhão entre as pessoas, entre os povos e com toda a natureza. Se as comunidades católicas e seus ministros levarem a sério a proposta da sinodalidade, se as Igrejas cristãs se converterem ao caminhar juntos como modo de viver o discipulado de Jesus, finalmente, poderá se tornar verdade a afirmação de um pastor da Igreja do século IV quando afirmou: “A Igreja cristã deve se organizar, como um ensaio do mundo do jeito, que Deus quer que o mundo seja”.

     

 Marcelo Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019Email: irmarcelobarros@uol.com.br  

 



[1] - Cf. Francisco, Conmemoración del 50 aniversario de la institución del Sínodo de los Obispos (17 de octubre de 2015), n https://www.vatican.va/content/francesco/es/speeches/2015/october/documents/papa-francesco_20151017_50-anniversario-sinodo.html

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