Por Marcelo Barros
Parece inacreditável que, no Brasil, em fevereiro de
2014, ainda se possa ver a seguinte manchete no jornal: “Bolivianos postos à
venda em feira”. Quem quisesse podia ler: “A polícia militar de São Paulo
resgatou no último fim de semana dois bolivianos que foram colocados à venda na região central da capital. O caso ocorreu
domingo em uma feira tradicional da comunidade boliviana, no bairro do Brás.
(...) Na feira, quem quisesse levá-los, bastaria pagar mil reais por cada um”
(Cf. Jornal
do Commercio, 15/ 02/ 2014, p. 9).
Esse caso acabou bem porque a polícia descobriu, o vendedor de escravos
fugiu e as vítimas foram libertadas. Infelizmente, segundo a ONU, no mundo
atual, de 600 a 800 mil pessoas estão sendo submetidas a regimes de escravidão.
Lavradores continuam a trabalhar como escravos em fazendas que são verdadeiros
campos de concentração. Mulheres são
obrigadas a se prostituir no mercado de sexo. Crianças são roubadas de suas
casas para servir como doadoras de órgãos ou para outros fins de escravidão.
Isso ocorre em todos os continentes. Infelizmente, o Brasil é ponto de partida
e de chegada desse perverso tráfico humano. Esse problema é tão grave que a
conferência dos bispos católicos do Brasil (CNBB) tomou-o como tema da Campanha
da Fraternidade desse ano de 2014. O objetivo é “identificar as práticas de
tráfico humano em suas várias formas e denunciá-lo como violação da dignidade e
da liberdade humana, mobilizando cristãos e a sociedade brasileira para erradicar
esse mal, com vista ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus” (Cf.
Texto-base da CF 2014, p. 8).
Na Europa, uma associação de voluntários criou pela
internet uma pesquisa. Perguntava às pessoas, principalmente aos jovens – por
que na sociedade atual ainda existe o tráfico de pessoas. A que se deve tal
situação? Muitas respostas afirmavam: “A nossa sociedade é organizada a partir
da busca do lucro, custe o que custar. Por isso, é quase natural que o próprio
ser humano seja visto como uma mercadoria igual a outra qualquer”. Alguns
chegaram a responder: “ Vale a pena denunciar as formas atuais de escravidão
humana e promover ações de resgate da cidadania das pessoas em situação de
tráfico. No entanto, enquanto não se mudar a cultura econômica a partir da qual
a sociedade se organiza, não se conseguirá prevenir adequadamente essas
situações. Nessa sociedade que produz desemprego em massa e na qual há preço
para tudo, sempre haverá pessoas fragilizadas pela sua situação social e
econômica que são potencialmente vítimas dessa realidade terrível. Atualmente,
embora nem sempre compreendido, o papa Francisco tem advertido contra a cultura
do individualismo e da indiferença em relação aos outros. Lampedusa é a ilha
italiana onde tentam chegar milhares de migrantes africanos clandestinos.
Muitos deles são proibidos de desembarcar e acabam afogados no Mar Mediterrâneo.
Em julho de 2013, o papa Francisco foi lá e orou em um resto de barco que tinha
naufragado com migrantes. E ali, ele declarou: “Peçamos a Deus a graça de chorar
pela crueldade que há no mundo e em nós, incluindo aqueles que tomam decisões
socioeconômicas que abrem a estrada a dramas como esse”.
As Igrejas cristãs têm como missão testemunhar o projeto
divino de paz e justiça no mundo para vencer todas as estruturas iníquas
existentes na sociedade. Para os cristãos, a Páscoa de Jesus se atualiza nos
sinais de libertação e de vida nova para todos. A celebração pascal será
profunda e eficaz se pudermos afirmar e testemunhar, como escreveu São Paulo:
“Foi para que sejamos livres que o Cristo nos libertou” (Gl 5, 1).
Marcelo
Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e
assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades
eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da
ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45
livros publicados no Brasil e em outros países.
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