O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

sábado, 18 de julho de 2020

PAULO FREIRE EM TEMPOS DE NEOCONSERVADORISMO[1], NOTÍCIAS FALSAS E ESCOLA SEM PARTIDO



por Prof. Dr. Martinho Condini 
 

[Este artigo é uma adaptação do texto que foi publicado no capítulo 30 do livro Paulo Freire em Tempos de Fake News [livro  eletrônico]/ Paulo Roberto Padilha...[Et  al.] organizadores – São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2019. p.196 a  p.199].

 

               Expurgar Paulo Freire da Educação Brasileira”, “Anular o decreto lei que instituiu o título de ‘Patrono da Educação Brasileira’ a Paulo Freire”, ambas notícias são verdadeiras que estão juntas e misturadas a outras milhares de notícias falsas que fazem parte de um contexto neoconservador que assolam nossa sociedade e nosso país.

Essa avalanche de notícias falsas compõem um arcabouço para desqualificar Paulo Freire, o homem, sua obra e sua prática. Por isso, o tema ‘Paulo Freire em Tempos de Neoconservadorismo: Notícias Falsas e Escola Sem Partido’ ser pertinente, instigante e provocador. No entanto, podemos pensar várias possibilidades de reflexão e relação entre Paulo Freire, notícias falsas, neo conservadorismo e Escola Sem Partido.

Uma dessas possibilidades é a questão da prospectividade no pensamento e prática de Paulo Freire, como bem já mencionou o Prof. Scocuglia , “Paulo Freire é um dos mais importantes educadores do século XX, com pensamento absolutamente atual e prospectivo”. (SCOCUGLIA, In: Instituto Paulo Freire, 2019. Videoaula 3/16.)

Alguém poderia fazer o seguinte questionamento: na época de Paulo Freire não tínhamos a prática desse fenômeno social que aflige milhares de pessoas, denominado notícias falsas? Com certeza, havia sim, com a denominação de informações mentirosas ou fofocas. A constatação dessa afirmação, se justifica por meio das falas e atitudes dos militares e seus apoiadores do golpe militar de 1964 que exilaram Paulo Freire por dezesseis anos, até 1980.

É importante destacar que no período pré exílio e pós exílio, havia no pensamento e na prática freireana[2] aspectos fundantes  sendo colocados em prática, que atualmente,  contribuiria, ou melhor, contribuirá e muito, para o combate a essa maneira grotesca, intolerante e preconceituosa das pessoas se relacionarem nas redes sociais e fora dela, nas escolas e fora delas, que são as notícias falsas. Vamos destacar algumas delas nesse artigo.

Alguns aspectos fundantes na perspectiva freireana, contribuem para combater a divulgação e expansão de notícias falsas, sobre Paulo Freire ou não, por exemplo a apropriação do conhecimento para a libertação das pessoas, algo significativo para que consigamos discernir uma notícia verdadeira de uma notícia falsa.

Um segundo aspecto é como o processo educativo deverá envolver as pessoas a partir de uma perspectiva dialógica construtivista, para que as mesmas tenham recursos para contestar possíveis manifestações de preconceito ou falsas informações sobre Paulo Freire, sua prática e sua obra.

Um terceiro aspecto está relacionado ao pensamento político pedagógico freireano que tem como espinha dorsal a inerência entre educação e política. Possibilitando-nos um entendimento mais amplo do contexto político pelo qual estamos passando para poder então transformá-lo.

         E um quarto e último aspecto é a dialogicidade como elemento esclarecedor, sobre coisas que Paulo Freire jamais mencionou ou escreveu  (notícias falsas).  A dialogicidade no caso das notícias falsas ganha uma dimensão importantíssima, porque sem o diálogo não será possível chegar a verdadeira informação, então chegamos naquele impasse do “dito pelo não dito”, e todos nós sabermos a força que tem um boato. Por isso seja tão importante no processo ensino aprendizagem dizer sempre a verdade. Dizendo a verdade, significa que educador e educando estarão sempre do lado certo.

          Atrelado a esse contexto social e político nacional de expansão do neoconservadorismo, há um alvo específico a ser atingido: o processo educacional e as escolas. Nos últimos quatro anos – de 2016 a 2019, alas conservadoras da nossa sociedade e do congresso nacional, também conhecidos como a bancada do “Boi, da Bala e da Bíblia ou ‘BBB’”[3] , adeptos da educação conteudista, bancária e de resultados, constroem caminhos tortuosos onde surgem conceitos, preconceitos, juízos e falsos juízos sobre Paulo Freire, sua obra e sua prática. Chegou-se ao absurdo de mencionarem que o fracasso escolar brasileiro ocorre por causa das práticas educacionais freireanas desenvolvidas nas escolas brasileiras.

A partir do pressuposto acima foi estabelecido pela extrema-direita e neoconservadores no congresso nacional brasileiro uma agenda parlamentar, com o intuito de aprovar o projeto Escola Sem Partido, que não obtiveram ainda na aprovação de suas propostas, graças à resistência das alas progressistas do congresso nacional, apoiados pelos  setores mais engajados na educação brasileira, educadoras e educadores freireanas e freireanos espalhados pelo nosso país.   

No projeto Escola Sem Partido, uma de suas intenções é calar as escolas, e escolas caladas, não têm razão de existir. A função primordial da educação e da escola é propiciar a seus educandos a dialogicidade, a criticidade, a politicidade, a fim de que conquistem a sua libertação. Por isso, é de suma importância que educadoras e educadores freireanos ou não, estejam atentos a essas novas configurações educacionais que pretendem impor ao processo de ensino aprendizagem, a proposta de uma ‘Educação Bancária’ em detrimento de uma ‘Educação libertadora’, onde não haja a prática do dialogar, do debater e de não se fazer a leitura de mundo sobre diferentes perspectivas, onde os educandos possam ver o mundo e se ver no mundo, condição sine qua nom para os seus processos de transformação.

          Uma das principais engrenagens para o êxito da Escola Sem Partido é impedir que educadoras e educadores eduquem seus alunos com consciência crítica, que não conheçam o pensamento de educadores como Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Rubem Alves e o patrono da educação brasileira, Paulo Freire. 

No atual contexto a ética freiriana adquire um papel importantíssimo, porque mais do que nunca temos um grande desafio,  mostrar aos nossos educandos que educar é dizer sempre a verdade, dizerem suas palavras e que estabeleçam os seus lugares de fala. Essa é a maneira de combatermos as notícias falsas dentro e fora da escola, utilizando a ‘Pedagogia da Verdade’, a ‘Pedagogia da Indignação’, afinal de contas o processo de formação se dá em todos os lugares e espaços sociais como afirmava o mestre Paulo Freire.

Diante do descrito creio que essa trilogia - o neo conservadorismo, a ação orquestrada de notícias falsas, não só em relação a Paulo Freire, mas a tudo e todos que estejam relacionados aos movimentos sociais ou as minorias sociais, e a Escola Sem Partido – tem como objetivo impossibilitar que a sociedade civil organizada ou representada ou não por instituições não governamentais ou não e entidades de classe progressistas possam lutar pelo direito ao trabalho e à proteção as leis trabalhistas, direito a uma aposentadoria justa, direito a moradia e à terra, direito à  educação, à saúde e a cultura; direito aos jovens de serem protagonistas da sua história, direito dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres, direito de todos se manifestarem independente de raça, gênero, cor e religião sem serem reprimidos.  

Concluindo, quero relembrar o mestre Paulo Freire, onde em uma de suas falas ele mencionou a alegria e satisfação de pensar na retomada das marchas como instrumento de luta, acredito que é chegada a hora de retornarmos às ruas em prol de uma educação libertadora que possibilite a construção de um país justo e digno para todos.       

 

Referências

A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação (Org.). São Paulo: Ação Educativa, 2016.

 

INSTITUTO PAULO FREIRE. A noção de fake news, pós-verdade e as contribuições de Freire à educação. Docente Moacir Gadotti. Curso Paulo Freire em tempos de fake news: atualidade, metodologias e práticas. Produção EaD Freiriana, São Paulo: Coordenação Geral: Paulo Roberto Padilha, 2019. Video aula 1/16 (22:33 minutos).

 

INSTITUTO PAULO FREIRE. Educomunicação: uma herança dialógica freiriana.  Docente Ismar Soares. Curso Paulo Freire em tempos de fake news: atualidade, metodologias e práticas. Produção EaD Freiriana, São Paulo: Coordenação Geral: Paulo Roberto Padilha, 2019. Video aula 3/16 (22:46 minutos).

INSTITUTO PAULO FREIRE. As bases e as conexões do pensamento político pedagógico de Paulo Freire. Docente Afonso Celso Scocuglia.Paulo Freire em tempos de fake news: atualidade, metodologias e práticas. Produção EaD Freiriana, São Paulo: Coordenação Geral: Paulo Roberto Padilha, 2019. Video aula 3/16 (22:46 minutos).

 STRECK, Danilo R. REDIN Euclides. Zitkoski (orgs). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica Editora,2008. 8º]

 

 

 

 

 

 



[1]No Brasil, a extrema-direita e o neoconservadorismo lutam contra o comunismo e o antagonismo às minorias, num país onde nunca teve um governo comunista, ou mesmo esteve sob a ameaça efetiva de um levante “vermelho”. Ressuscitam o discurso sobre a necessidade de combater os “ativismos”, que teriam hegemonizado as universidades por meio do “marxismo cultural” que seriam responsáveis pela degradação dos valores da verdadeira nação brasileira. O seu nacionalismo populista é neoliberal e cosmopolita, pretendendo preterir as indústrias, o emprego nacional e uma educação libertadora pelo regresso as relações econômicas norte-sul uma educação bancária e a um papel de clara subserviência aos interesses dos EUA. O neoconservadorismo brasileiro é ultraliberal, neopentecostal, homofóbico, racista, sexista, reacionário e militarista, aspectos esses presentes na estrutura do atual governo brasileiro.

 

[2] A utilização dos termos freireana ou freireano, é uma opção e preferência do autor, para ele os termos freireana ou freireano escritos com a letra e fortalecem o sobrenome Freire.   

 

[3] Parlamentares do Congresso Nacional, deputados federais e senadores representantes dos ruralistas, militares e as alas conservadoras da igreja católica e das igrejas neo pentecostais.


   O texto: Prof. Martinho Condini. Mestre em Ciências da Religião e doutor em Educacao ambos pela PUCSP. Pesquisador da vida e obra de Dom Helder Camara. Publicou pela Paulus Editora ' Dom Helder Camara um modelo de Esperança, ' Helder Camara um Nordesino Cidadão do Mundo', ' Fundamentos para uma Educação Libertadora: Dom Helder Camara e Paulo Freire' e o dvd ' Educar para a Liberdade: Dom Helder Camara e Paulo Freire'.


Nenhum comentário:

Postar um comentário